Capítulo 1

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   JulieEstá vendo aquela moça deitada na cama? Sim, aquela loirinha magra, de óculos e pijama do BobEsponja, enrolada no edredom, ouvindo assustada os gemidos da casa ao lado?Prazer, essa sou eu e vou te contar minha história.Todas as noites eu me assusto com os gemidos da casa vizinha. E sofro de inveja ao ouvir os gemidosde garotas aleatórias que, na verdade, deveriam ser meus...Meu nome é Juliette Walsh, mas todos sempre me chamaram de Julie. Tenho 28 anos e desde criançasou perdidamente apaixonada por um cara que não me enxerga. Ou melhor, enxerga sim, mas como se eufosse sua irmã mais nova. E o tal cara é o provocador de gemidos alheios...Eu convivi com Daniel basicamente a minha vida inteira. Ele é três anos mais velho do que eu e suairmã, a de verdade, é a minha melhor amiga. Éramos vizinhos. Nossos pais eram muito amigos e quando,aos quatorze anos, eu perdi os meus em um acidente de carro, a mãe deles passou a ser como minha.Sou filha única, meus pais também eram e meus avós já haviam falecido. Os Stewart foram a únicafamília que me restou.Minha mãe era uma mulher linda, com cabelos loiros longos e brilhantes, e expressivos olhoscastanhos. Herdei essas características físicas, mas não sou, nem de longe, tão bonita. Ela era uma dessaspessoas absurdamente apaixonadas – pelo meu pai, é claro. Perder toda a minha família de uma vez foium grande sofrimento mas, pensando por outro lado, foi melhor assim... Meus pais eram um casalirritantemente feliz; eu não acho que um dos dois sobreviveria à perda do outro.Foi deles que herdei minha crença de que o amor deve mover nossas vidas e que um dia eu tambémencontrarei um príncipe encantado que me resgatará dos meus problemas, me levará para cavalgar ao pôrdo sol e com quem serei feliz para sempre...E eu o encontrei, primeiro, na figura de um menino levado, que puxava minhas tranças e fazia eu e suairmã Johanna corrermos atrás dele.Depois, durante a adolescência, vi aquele menino levado virar um rapaz charmoso, que com umestalar de dedos conseguia conquistar o coração de todas as meninas da escola. Inclusive o meu.Após a perda dos meus pais, fui morar na casa dos Stewart e Danny passou a cuidar ainda mais demim. Ele não me deixava namorar nem sair com seus amigos, porque dizia que eu não tinha idade parabrincadeiras de gente grande. Ele também tratava Jo mais ou menos assim.Até que ele foi para a faculdade cursar Administração e eu consegui ter uns namoradinhos. Nadasério. Eles, na verdade, serviam para me dar experiência para quando Danny voltasse definitivamentepara casa e, é claro, para os meus braços.Mas não foi isso que aconteceu. Após a formatura, ele voltou mais bonito, sedutor e charmoso, eainda me tratando como irmã, como se eu fosse uma garotinha de catorze anos e não uma mulher de 21, oque me fazia quicar de tanta raiva.Danny voltou da faculdade com um projeto de vida que casava perfeitamente com o meu: ele decidiuabrir um negócio, em sociedade com seus dois melhores amigos, Rafe e Zach. Um grande bar, commúsica ao vivo todos os dias e um grupo de barmen mega simpático. Dezoito meses depois, o After Darkabriu as portas com um sucesso estrondoso, virando o point dos jovens.Você deve estar se perguntando como é que o meu projeto de vida casava com o dele. Simples: o queeu faço de melhor nesta vida é cantar. É a única coisa que eu sei fazer, que eu sonhei fazer, que eu mepreparei para fazer... mas que o Danny não me deixa fazer. É mole?Quando eles começaram a entrevistar as bandas para o bar, eu me ofereci, pedi, implorei por umachance, mas Daniel dizia que eu não estava preparada para enfrentar uma multidão e proibiu os meninosde tocar nesse assunto.Quando eu dizia que faria testes em outro lugar, era um terror. A gente discutia muito e eu acabavacedendo. Por quê? Porque o amor é cego, surdo, mudo e idiota.Como eu não podia seguir o sonho de cantar, acabei aceitando trabalhar no After Dark servindo asmesas.Eu nunca quis ir para a faculdade. O sonho da minha vida era cantar. Fiz inúmeras aulas de canto,dança, aprendi a tocar vários instrumentos. Por isso, nunca me preparei para outro tipo de emprego.Pouco tempo depois da inauguração do After Dark, resolvi me mudar da casa dos Stewart. Eu amo ospais de Daniel como se fossem os meus, mas queria ter meu próprio espaço. Coincidentemente, umimóvel ao lado da casa do Daniel (que mora sozinho) ficou vazio e Danny sugeriu que eu me mudassepara lá. Assim, ele não teria de se preocupar comigo, e eu teria alguém da "família" por perto.Eu só pensava que agora ele veria que eu cresci, que não era mais a garotinha de tranças que eleconhecia. Resgatei um dos investimentos que o meu contador havia feito e comprei a casa, sonhando que,se eu ficasse por ali, um dia Danny me notaria.E você acha que isso daria certo? Pois é, eu também não deveria ter achado. É por isso que estoudeitada na minha cama, sozinha, durante a minha folga de sexta-feira à noite, ouvindo os gemidos cadavez mais altos da "periguete" da vez, que se farta com o homem que deveria ser meu.A casa de Danny mais parece um bordel. Ele tem um fogo invejável e, a cada noite, uma companhiadiferente. Ainda bem que a maioria da vizinhança também é solteira e não liga para isso.Seria complicado se tivéssemos vizinhos idosos querendo assistir à novela ao mesmo tempo em queo canal adulto passa, ao vivo, na casa ao lado.O fato de ser dono de um bar facilita e muito as conquistas dele. Todo dia Daniel sai de lá com umaesquelética pendurada no braço rumo ao seu ninho do amor. E, apesar de toda essa rotatividade e dessefogo, ele nunca me deu a oportunidade de experimentar sequer o sabor do seu beijo.Fico aqui, arfando e frustrada, enquanto ele se sacia com a foda da vez.Você deve estar se questionando por que eu não me mudo, por que não mudo minha vida.Eu te respondo, e tenho certeza de que você vai achar que sou mais doida ainda: o que me mantémaqui é a esperança... É o que me faz ficar e aceitar um emprego com o qual eu não sonhei, abrir mão domeu desejo e passar as noites ouvindo os gemidos da casa ao lado. A esperança burra de que, um dia, elevai acordar e ver que a mulher da vida dele sou eu. Isso parece idiota até para mim. Mas quem disse queeu consigo desistir desse homem?E toda noite eu passo pelo mesmo tormento. Primeiro raiva, depois frustração. Levanto e bebo águapara tentar me acalmar, porque me recuso a me tocar para buscar algum alívio enquanto ele está fodendoalguma vadia aleatória. Então eu deito de novo, ligo a TV, acesso a internet para ver se tem algointeressante nas redes sociais, ou, pelo menos, alguém para conversar. Rolo de novo na cama.Às vezes, fico inspirada e escrevo músicas que nunca vou cantar para ninguém e que falam de todo oamor que sinto por esse idiota. E assim vou, até que a madrugada chega, a casa ao lado silencia e eu,exausta, consigo dormir.  

Louca por VocêWhere stories live. Discover now