capitulo 3

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Scarlet

    Cheguei em casa me fitando no espelho. O reflexo de uma expressão ácida e deprimida poderia assustar uma criança. Suspirei tirando a mala do guarda roupa. Tentei imaginar que roupas levaria e acessórios como notebook, modem 3g, carregador portátil do celular. Poli, minha cachorrinha, ficaria no hotelzinho. Acho que preciso fazer uma lista. Não me preocuparei com a viagem passando a ler o relatório:
.....“A cidade rural de Prado, antiga colonização Italiana, conhecida também pela cidade das cavernas, a cúpula da ignorância. Uma igreja abandonada próxima aos rochedos e cemitério abandonado, atualmente estava sendo estudada para restauração  pelo Padre Pablo. A arquidiocese permitiu que a restaurassem pelos seus arestos antigos da parede que simbolizava uma época histórica. Mapas referenciais de fatos sobrenaturais do século passado não descrevia os fatos detalhadamente. A igreja era rodeada de pântanos  próximo a um lago. Cogumelos seguiam a trilha que chegava a igreja. Relatos de moradores próximos ouviam um coral cantando oriundo do interior da igreja em ruínas. Crianças que brincavam próximo a igreja ouviam gritos de agonia ao entardecer. Um mau cheiro serpenteava a cidade em determinados dias. A lenda conta que o último padre em 1875 cometeu suicídio"...
A escassez de informações me deixa preocupada. São lendas e suposições? "...Em 1922 um aumento cíclico de manifestações paranormais. Animais dementes fugiam e circulavam dentro do cemitérios. Homens tinham visões de vultos como zumbis entrando em demência após as visões. Nas missas dominicais, algum fiel saía correndo desesperado, jurando ter visto sombras sinistras. No verão o calor insuportável, deixava o padre e fiéis molhados de suor. Ao redor da igreja mosquitos e sapos rastejantes e gosmentos, pulavam em alguns fiéis deixando uma cicatriz irreversível. O cheiro de mofo era insuportável, mesmo com as mulheres fiéis fazendo a faxina semanal. Com os anos a fábrica da cidade faliu, persistindo se manter na cidade pequenos comerciantes e agricultores. Todos esses acontecimentos gerou  fama e a igreja aos poucos foi abandonada quando o último padre criou uma chaga na lateral esquerda do rosto e foi encontrado morto pendurado na parede em posição de cruz  invertida e nu. A névoa dominou o lugar. As propriedades próxima da igreja foram abandonadas, persistindo apenas a família de origem afro. Um casal com nove filhos que viviam da agricultura. Atualmente o novo padre Pablo aguardava a reforma da igreja conhecida como a igreja da danação"...
     Mas o último dossiê me lastrou arrepios. Lia atentamente cada sílaba não acreditando nessa atrocidade:
....“Cardeais missionários foram averiguar o caso como investigadores. Nesse dia vários animais como gatos, cabritos e galos estavam boiando no pântano mortos e cobertos de sangue, quando a cidade se recolheu em segredo ao acontecido”.

    As nove horas da manhã, Roni buzinava a frente da minha casa com seu furgão reformado, como um trailer e equipado  para os estudos dos acontecimentos paranormais. Junto aos sacos de dormir pilhas de caixinhas de cerveja e vinho, próximo  a uma mini geladeira recarregada a bateria do furgão.

-Ótimo! Trouxe todos os acessórios. – E seguimos entrando no furgão, Roni dando a partida.

Ligou o rádio e injetou um cd  dos Beatles. O sol brilhava nessa manhã sem sinal de chuva.

-Tudo que li parece lendas ou fatos equivocados.

-Os próprios agricultores testemunharam os fatos.

-Esses vultos podem ser animais em volta da igreja. - Disse tentando justificar os fatos

-Animais estariam nos pastos!- Ele abriu um sorriso – e os objetos imóveis que se movimentavam, alguns acreditam em alucinações, que pessoas más poderão  criar nas mentes projeções para dar início a uma manifestação paranormal. Mas existe a contradição porque  beatas da igreja testemunhavam os casos.- Ele acelerou e ultrapassou um caminhão.

-Precisaremos por as mãos em algo tangível, filmar para ser aceita. Não poderemos fracassar nesse trabalho.

A viagem seguia tranquila e em alguns momentos cochilei, sentindo um calor excessivo e um suor escorrendo, que elevava quando mais próximos estávamos da cidade.

-Porque o campo está árido? – Questionei.

-O verão seca tudo nessa região.

-Quantos quilômetros faltam?

-Em uma hora chegaremos. -Ele disse.

As montanhas eram cinzentas. Cercas de fazendas estavam caídas, alguns bois e vacas muitos secos perambulavam nas pastagens escassas. Alguns cavalos desapareciam pela região onde arbustos eram altos. Alguns roedores atravessavam à frente do carro, saltitantes e seguindo a se esconder no matagal seco. Resolvi abrir uma garrafinha de cerveja , e Roni bebeu um grande gole. Enfim chegamos na entrada da cidade. Pontes cruzavam pequenos riachos. Observava fazendas tristonhas com campos onde o sol refletia um amarelo enxofre. Algumas fazendas pareciam abandonadas. Não se avistava pessoas ou animais sadios pastando, completando com celeiros destruídos.

- Onde está a população dessa cidade fantasma? – Perguntei olhando de soslaio para todos os lados.

-Eles estão ao no lado Oeste, no centro comercial.

Observei um poço a manivela enferrujado  do século passado.  Roni freou frente a uma pequena ponte onde as madeiras estavam podres. Retiramos todos os equipamentos do furgão para que ficasse leve e passasse pela ponte deteriorada. O calor insuportável me condicionou a ficar de regata. Nada se mexia, apenas as ondas do calor.

-A paisagem mais triste que já vi! – Roni comentou limpando o suor da testa.

O furgão dançou em cima da ponte chegando a outra margem. Na partida o furgão quis atolar como se os pneus perdessem a tração nas rodas traseiras. Roni acelerou e senti o solavanco. Seguimos a trilha de um bosque e meleca verdes se grudavam no vidro, espatifando no impacto, lambuzando e criando um bloqueio na visão. As largatas se contorciam no vidro e Roni se obrigou a frear. Roni limpou o vidro enquanto eu abria a garrafa térmica servindo dois copos descartáveis de café. O crepúsculo dava os primeiros sinais e uma coruja lançou em eco lamentoso. Roni parecia nervoso. O farol  não iluminava o suficiente aquela estrada de chão batido. Usou o binóculo de última geração com iluminação projetada e ao fundo ele via as luzes da vila. Ao redor nada havia além da escuridão. Absolutamente nada era visível, quando Roni avistou uma fumaça de chaminé. Trancou o furgão e seguimos a pé 500 Km. O casebre de madeira estava desgastado pelo tempo. Um cachorro vira lata despertou o morador. Um homem muito grande de origem afro com um rifle na mão nos recepcionou receoso e me apressei a falar.

-Oi! Desculpas, mas estávamos indo para a Vila. Somos professores da Universidade de Valência, viemos exclusivamente para um estudo sobre a região. E essa foi a única casa que avistamos.- Sua expressão amenizou.

- Em que posso ajudar? – Ele franziu o cenho fazendo um raio – x em mim.

- Podemos pagar para passar uma noite aqui! – Roni se precipitou.

O estranho ficou estagnado por alguns segundos. Mirou o céu onde nuvens pesadas se formavam.

-Entrem! – Senti um alívio imediato – mas não tenho chuveiro elétrico ou geladeira. Os colchões são de palha, mas o ensopado de Coelho está fervendo no fogão a lenha.

AcorrentadosWhere stories live. Discover now