Recomeçar

408 30 12
                                    

Caminhei um longo trecho da rua em completo ato hipnótico que me levava não sei para onde, só sei que ia. O vento batia no meu rosto e fazia meus cabelos voarem, talvez eles eram a única coisa livre em meu ser. Estava tão frio, o clima cinza da cidade parecia fúnebre e eu, aquele ser em trapos murmurantes, mais mórbida ainda.

Cheguei a um ponto crucial da minha história: ou continuava, ou parava de uma vez por todas, mas nunca mais poderia viver naquele falso comodismo em que me afundei. Precisava refletir, necessitava de um tempo para colocar as coisas no devido lugar dentro de mim.

Uma neblina começou a cair, senti uma coisa nova, me senti nua, nem parecia que estava com aquelas roupas pesadas sobrepostas umas sobre as outras cobrindo minha pele, pois me senti molhar de verdade. Como era bom sentir a água batendo no meu rosto, por mais fina que fosse, mas ela me lavava a alma. Andei por mais alguns metros, assim, com essa sensação nova.

Via as pessoas correndo nas calçadas para se esconderem da força que vinha dos céus, os carros na rua e seus barulhos ensurdecedores de buzinas. "Como as pessoas se estressam tão fácil com coisas tão banais!" Pensei comigo. Normalmente estaria assim também, mas ali, naquele presente momento estava me sentindo presa em grilhões pesados.

Continuei meu percurso no meu caminho sem fim, até perceber que não dava mais, pois a força da chuva já não me permitia.

Entrei na primeira porta que vi, era um lugar que cheirava velhice, sem beleza e nem chamaria minha atenção em ocasiões normais, mas quais ocasiões seriam normais para mim? Afinal, naquele momento, nem mesmo sabia onde meu futuro iria dar.

Sentei em uma mesa afastada e observei bem todos os detalhes, parecia uma velha adega de vinhos, as teias de aranha pareciam tomar conta de tudo, uma mesa de bilhar perdida em um canto, uma jukebox, e o bar. Nossa, parecia tirado daqueles filmes de faroeste.

Poderia muito bem sentir repulsa, mas não fiz questão de ter nenhuma reação supérflua, só peguei um maço de cigarro e acendi um para ajudar nos meus pensamentos.

- Olá Senhora. Vai querer alguma coisa? - Perguntou um cara muito mal encarado, que apesar de me ver como uma cliente, parecia não estar satisfeito com minha presença ali.

- Qual bebida vocês têm? - Falei dando uma tragada longa no cigarro e liberando a fumaça mágica das minhas lembranças.

- Qualquer uma que a senhora quiser.

- Traz um wisky cowboy duplo.

Ele se afastou e me deixou ali, novamente, perdida em minhas recordações. Queria entender onde tudo poderia ter acontecido. Era uma ideia perfeita, um trabalho perfeito, mas nada nunca acontece como queremos e eu percebi isso. Não se tratava do fim de tudo, mas o fim de uma brilhante carreira. Eu queria continuar, mas não era mais o que queriam. Portfólios e ideias precisas eram meu carimbo de boas vindas sempre.

"- Olha Ângela, você é uma excelente profissional, mas estamos precisando reformular as coisas por aqui, incluindo nossos profissionais."

Aquelas palavras eram um golpe sem piedade, como poderiam me descartar dessa forma? Eu era a alma daquela empresa, sem mim eles não seriam nada.

Quanta audácia pensar assim! O mercado estava cheio de novos publicitários, com novas ideias, só esperando a chance de mostrar do que são capazes para deslanchar uma marca, ou uma tendência. E eu, em cima dos meus 40 anos, não era mais tão antenada quanto precisava ser.

Fui interrompida pelo rapaz trazendo minha bebida, que logo fiz questão de tomar, sem me permitir respirar, pedindo logo que me providenciasse mais.

Não sabia o que podia acontecer. Agora, desempregada, sem a menor ideia de como seria recomeçar, eu estava tranquila demais em minha zona de conforto para imaginar que um dia teria que passar por aquilo.

Meu cigarro acabou, mas precisava de mais, então fiz questão de acender outro. Onde buscar algo novo? Eu sabia de meu potencial, mas não sentia firmeza nele. "Será que tenho potencial mesmo?" questionei - me. Eu não sabia mais, aquilo me atingiu de verdade.

Volta o rapaz trazendo mais um wisky, eu estava insaciável, bebi novamente em um gole só.

- Mais um por favor. - Sinalizei estendendo o copo e lá se foi ele.

Precisava ouvir alguma coisa, dirigi-me a jukebox no canto do bar, meu cabelo em desalinho, meus scarpins me incomodavam. Parei e os tirei, levando-os na mão. Minhas roupas encharcadas me tiravam toda a pouca postura que tinha.

Parei em frente aquela máquina velha, "Qual música colocar em um momento como esse?" pensei liberando mais uma baforada de fumaça que me deixou com a visão turva. Escolhi aleatoriamente sem muito me importar com o que viria.

"Sade - Slave Song."

- Bela pedida! - Falei comigo mesma começando a dançar lentamente, foi quando ele se aproximou novamente e me trouxe mais um drink, que dessa vez segurei com uma das mãos, sem beber apressadamente como os outros.

Caminhei novamente até a mesa onde estava e me sentei. Não queria, mas comecei a chorar, eu não tinha mais por que continuar, meu emprego era minha vida, o que poderia fazer sem ele? Apoiei a cabeça sobre os braços e desabei em um pranto desolado. Foi quando recebi uma mensagem no celular. "- Aff! Não quero nenhuma palavra de conforto, estou derrotada mesmo, que guardem sua compaixão para vocês!" Pensei em tom de repulsa e ódio, mas quando peguei para ver, me surpreendi.

"Olá amor, o que acha de jantarmos fora hoje? Estou sentindo falta de quando saíamos e acredito que hoje seria perfeito. Se quiser mande uma msg. Te amo. Bruna."

A ficha caiu naquele momento e uma felicidade tomou conta do meu ser. Eu percebi que estava enganada, eu era alguém sim, alguém importante na vida de uma pessoa. Eu podia continuar porque eu tinha força para isso.

Juntei minhas coisas, apaguei aquele bendito cigarro e terminei minha bebida. Recompus - me, recoloquei os sapatos e me dirigi ao balcão pagando minha conta.

Precisava sair dali, mas não como entrei. Eu era uma nova mulher. Eu era alguém amada e que também tinha forças para amar e recomeçar.

"Vamos sim amor, vou adorar jantar fora. Te amo muito. Bjsss! Ângela."

----------------------
Tá aí... textos velhos, escritos há anos atrás... O.o

Espero que comentem e, nos comentários, me digam: "Qual tema gostariam que eu escrevesse? Quais personagens e conflitos gostariam de ler? 

Bjs e espero por ideias e, por favor, leiam as histórias que escrevo. São legais! :D 

Textos Lésbicos (Contos)Место, где живут истории. Откройте их для себя