Capítulo 1

154 11 6
                                    

Tinha medo, sentia-o. Cada vez que olhava para aquele espelho lembrava-me daquelas memórias, que não me saem da cabeça, de ver uma pessoa já de uma certa idade, olhando para mim com um sentimento de saudade.
Desde o momento guardo esta dúvida: Seria minha imaginação?
De certo não seria, eu tinha a certeza que não estava louca.
Fiquei imobilizada, como se o tempo parasse naquele preciso momento. De seguida, ouvi o ladrar do meu querido cão, minha única companhia. O seu ladrar para o espelho não foi um acaso.
Num fechar de olhos, a imagem da idosa transformara-se numa sombra, desaparecendo lentamente no ar como se fosse o fumo de um cigarro mal apagado.

Apesar de naquela altura ser uma criança com pezinhos de boneca, não deitei lágrimas incontroláveis! O choque não o permitia.
Ao reparar que o espelho tinha voltado ao seu aspeto do costume, corri para fora daquele espaço assombrado, sendo seguida pelo cão.
Só depois do susto, lá consegui deitar umas lágrimas que me aliviaram a ansiedade.
Foi tudo tão estranho! A realidade pode ser muito mais assustadora do que imaginamos.
O impossível aconteceu, e nunca pensei assistir a tal cena sobrenatural.
O que me inquietava não era ter visto aquilo que meus olhos viram no espelho, mas sim quem seria aquela pessoa? Por mais que tentasse tinha que acabar por admitir que desconhecia... Mas a verdade, é que aquela pessoa estava mais próxima de mim do que pensava! Descobri num álbum de fotos (aquele que abro raramente) que essa mulher aparecia numa entre incalculável número de fotos. Era da minha família. Sim, era... Morreu muito antes de eu nascer e nunca ninguém me contou nenhuma história dela à minha frente.

A partir daí, nunca mais voltei a confiar em espelhos, por mais inocentes que parecessem. Ainda se impõe muitas dúvidas: Porque é que a mulher estava naquele espelho? E porquê naquele momento? Será que os cães sentem a alma dos falecidos? Será que o lugar deles não é no céu? Não sei, mas procuro responder a todas estas questões.

Passei o resto do tempo encolhida, com receio que aquela alma voltasse a aparecer.
O pior foi a noite, onde passei horas a dormir de olhos abertos e atenta a tudo o que observava em meu redor. Os cobertores eram o meu escudo, a minha única salvação contra o medo.
Meus olhos estavam cansados, não do sono que aguentavam, mas do esforço que faziam para abrirem. Meu corpo já não aguentava tanto cansaço. Acabei derrotada pelo sono, fechando os olhos de vez.

Tudo era demasiado silencioso. Até a própria noite me assustava! Apenas ouvia a minha respiração, lenta, quase tão silenciosa como o silêncio. Tudo acabou quando ouvi uma espécie de explosão, que parecia estar perto. Pelo som fez-me lembrar algo a quebrar-se. Levantei-me da cama ainda meio a dormir e ao pousar um pé no chão, senti uma picada cada vez mais profunda. Olhei para baixo e vi vários pedaços de vidro partido espalhados à volta da minha cama.

De onde vieram?
Pensei na minha cabeça banhada de tanta confusão.

Retirei os pequenos pedaços de vidro espetados no pé e cobri-o com um bocado de tecido que rasguei dos cobertores.
Caminhei tentando ignorar a dor que tinha no pé, seguindo o resto de pedaços de vidro que se espalhavam ao longo do chão.
Alguns tinham sangue, outros estavam tapados com pó...
À medida que avançava ficava com ainda mais  receio com o que me poderia acontecer no final do caminho. Olhei para trás e vi que os pedaços desapareceram como por feitiço, mas ainda restavam os que estavam à minha frente. Não fazia sentido, nada fazia sentido! Estava arrependida por ter saltado da cama, talvez não tenha sido a melhor decisão.
Os pedaços acabavam no preciso local onde estava o espelho onde tinha visto a alma da idosa.
Por um lado, estava aliviada por o espelho ter ficado desfeito mas havia a hipótese de a alma ter fugido para outro lugar...
Desta vez decidi enfrentar o espelho olhando fixamente para ele. Mas o tempo que gastei foi inútil, pois não aconteceu nada.
Quando a minha paciência se esgotou, voltei para trás, olhando para o espelho de segundo a segundo como se de repente algo fosse acontecer. Mas nada.

Já de volta ao conforto dos cobertores e da minha almofada, suspirei:

Os mortos assombram-me.

Behind The MirrorWhere stories live. Discover now