O toque é gélido, mas me aquece .

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— Acho que descobri o que você é.

O quarto está completamente escuro. Com completamente quero dizer que não consigo distinguir nada mesmo se meus olhos estivessem extremamente acostumados com a escuridão. Estou deitado em minha cama, sinto o forro listrado azul e cinza bagunçado embaixo de mim. Em algumas partes ele se enrolou tanto que formou lombares que irritam minhas costas, mas me mexi o suficiente para ficar confortável. A música está ligada em meu celular, bem baixinha, toca ao fundo, o deixei em cima da cômoda. Ele está no modo avião, as notificações estão desativadas, nenhuma luz irá invadir meu espaço. Ao meu lado, deitado no chão, Youngjae descansa. Ele não tinha dito nada até então, nunca diz, na verdade. Ambos apreciamos o tempo na escuridão em silêncio.

— E o que sou? — pergunto de olhos bem abertos, analisando o escuro.

Não sei o que busco na imensidão vazia, mas ela me acalma. Para meus pais soa desesperador que eu goste de me trancar no quarto e impedir qualquer entrada de luz, mas eles nunca dizem nada. Os olhos dos dois, entretanto, me sussurram palavras que eu não gostaria de ouvir e por causa disso agradeço o bom senso deles em ficarem quietos. Mesmo que eu tenha conhecimento do que provavelmente diriam, não ouço nada da boca deles e isso torna meus pensamentos o que são: apenas fatos não comprovados e devaneios sem sentido. Youngjae, ao contrário de todo o resto, acha curioso meu comportamento e sempre pede para me acompanhar nas minhas sessões de escuro completo.

— Nictófilo — diz simplesmente.

Franzo o cenho.

— Defina.

— Alguém que se sente confortável na escuridão, que encontra conforto na noite.

Desde criança me pego subindo para o quarto mais cedo do que qualquer garoto da minha idade provavelmente faria. Fechava as cortinas de meu quarto, colocava um pano enrolado na fresta da porta e desligava a luz. Então como se já tivesse feito o caminho durante séculos, caminhava até minha cama e me deitava nela, ficava assim durante horas até adormecer. Não posso dizer que me lembro de tudo sobre o que divagava, mas sei que eram pensamentos variados sobre desenhos, amigos e o que eu provavelmente comeria no almoço no dia seguinte. Não que minha mente jovem pudesse pensar muito além disso, mas era o suficiente porque eu estava no cantinho que mais gostava na condição que sempre amei.

— Esse significado parece pouco.

Mas é muito, hyung.

Youngjae começou a se juntar a mim faz três meses. Toda sexta-feira ele aparece aqui em casa com sua mochila cheia de roupas e doces, janta à mesa com minha família e depois nós dois subimos e ficamos horas deitados pensando e ouvindo música. Eu costumo fazer esse ritual durante a semana também, mas sozinho e em menos tempo. Com ele, entretanto, a coisa toda parece diferente. No começo sei que ele fazia mais por curiosidade do que por gosto, contudo com o tempo percebi que ele também começara a ansiar estar deitado no tapete de meu quarto cercado por nada mais que a escuridão. Pensar que Youngjae agora compartilha do mesmo pensamento que eu me enche o peito de algo que nunca vou conseguir colocar em palavras.

— Muito? — questiono segundos depois, remexendo-me em cima dos lençóis bagunçados.

— É muito em tantos sentidos — ri baixinho — Quantos adolescentes hoje em dia sentem-se confortáveis nessa escuridão completa?

— Não sei, Youngjae, você que é o garoto dos números, mestre em matemática.

— Bem, então eu te digo, hyung. Quase nenhum. Gostar da noite é uma coisa, mas gostar disso — sei que ele gesticula — é bem diferente.

Há paixão no escuroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora