All the other kids with the pumped up kicks...

123 20 3
                                    


Eu avisei, não avisei?

Avisei naquele dia que se passou lentamente, aquela quinta-feira qualquer no mês de maio. Foi meu primeiro aviso. Estava um calor dos infernos, vocês todos estavam rindo enquanto eu estava encolhido em um canto, repudiando extremamente a ideia de me submeter a uma bebida gelada que provavelmente tinha sido roubada de uma lojinha qualquer. Sempre que alguém falava comigo eu tentava sorrir, tentava achar tudo engraçado, mas já se faziam meses que nada pra mim tinha cor. Vocês debocharam de mim, disseram que eu estava perdendo a manha. Disseram que eu parecia alguém depressivo, que estava na bad.

Eu avisei o que faria naquele dia por conta das risadinhas e brincadeiras de mau gosto, mesmo que eu mesmo não estivesse levando isso a sério. Foi o meu primeiro aviso.

Em uma outra quinta-feira aparentemente comum, enquanto eu terminava minha sopa no refeitório, eu avisei novamente. Junho estava mais frio do que o normal, minha casa estava começando a estalar por conta da contração de temperatura, minha mãe tinha saído pra trabalhar um dia e não tinha voltado mais. Alguns engraçadinhos derrubaram minha bandeja quando sentaram-se ao meu lado, eles disseram que eram amigos de vocês. Eu pedi que me pagassem outro almoço, eles riram e me chamaram de gordinho, que eu estava com as bochechas enormes. Naquele dia eu avisei novamente.

Mas vocês nem ouviram, estavam rindo. Eu estava na bad, claro que estava.

Na semana seguinte foi diferente, era sábado. Minha casa estava cada vez mais fria, eu já não gostava tanto assim da ideia de sair da cama e fazer qualquer coisa diferente como eu costumava fazer antes. Vocês foram lá em casa, bagunçaram tudo, trouxeram bebidas e gritaram até os habitantes do outro lado do planeta ouvirem o quão chapados estavam. Enquanto tudo isso acontecia eu me tranquei em meu quarto e ouvi batidas rudes na porta, alguém queria entrar. Alguém disse que me pegaria e me provaria por inteiro, que eu merecia. Eu dormi agarrado na arma preferida do meu pai, mesmo não sabendo se ela estava carregada ou não. No outro dia, quando acordei, mandei uma mensagem no nosso grupo.

Eu avisei novamente.

Eu avisei milhões de vezes, centenas de milhares. Vocês estavam rindo, não me ouviram. E eu continuei avisando, dia após dia. Diziam que era besteira, diziam que era drama. Eu mencionei ser um aviso, ninguém ouviu, como sempre. Então naquele último dia em especial, eu tentei pela última vez; tentei alerta-los de que minha mente já não estava funcionando como antes e que meus hábitos noturnos tinham virado buscas incansáveis na internet por munição. Mas adivinha só?

Vocês riram, e eu avisei.

Ninguém ouviu.

Agora estou aqui, escrevendo sobre corpos desfalecidos e sanguinolentos. Nojentos. Eu consigo ouvir a sirene da polícia, mas não faço ideia onde ela está, talvez lá fora, perto da rua. Minha cabeça está doendo, acho que é o cheiro dos corpos se deteriorando conforme os minutos passam, não sei. Ainda há uma bala, eu consigo ouvir os passos se apressando em direção à biblioteca. Vocês estão horríveis, mas morreram rindo. Mal ouviram o som dos tiros.

Que ironia, talvez vocês devessem ouvir mais.

É minha chance de ir agora. Preciso cumprir esse meu último dever.

Vocês deviam ter me ouvido.

Eu aviseiWhere stories live. Discover now