Capítulo 4

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"Eu morri e fui pro inferno", pensou ao abrir os olhos. "Ele é cor de rosa com bichinhos de pelúcia".

Shay gemeu quando se sentou na cama. Passava tanto tempo dopada de remédios, por causa das dores, que tinha dificuldades para manter memórias recentes.

Pelo menos não estava mais no hospital. Embora não soubesse o que era pior: todos aqueles brinquedos a encarando ou os bips das máquinas hospitalares.

Ergueu a perna, mas sentiu tanta dor que desistiu. Procurou mover os pés para, pelo menos, tentar parar a dormência. O formigamento inicial deu lugar à sensação de várias agulhas penetrando sua pele. Fechou os olhos com força, esperando o incômodo passar.

Encontrou o celular na mesinha de cabeceira ao seu lado e, com um gemido de dor, esticou-se para pegá-lo. Tinha mais chamadas perdidas do que poderia imaginar, a grande maioria de Freddy. Shay suspirou e deixou o celular onde estava.

A porta se abriu, Tuomas trazia uma bandeja com comida, um copo e uma jarra de suco. "Como alguém fica todo arrumado assim em casa?" pensou ela quando o viu de jeans, tênis e camiseta polo. Não sabia até onde era mania de rico ou dele mesmo. Ela, em casa, ficava o mais confortável possível, além de descalça.

— Que bom que acordou. Achei que, mesmo com dor, você fosse me bater se eu te acordasse. — Tuomas comentou com bom humor. — Desculpa o excesso de rosa, te colocamos no quarto da Fuyu. E não precisa se preocupar com ela, ela está no Japão com meu pai, acompanhando os festivais de primavera.

Shay se lembrava de Fuyu, ela era filha adotiva de Tuomas, uma menina albina japonesa. Tinha quase certeza de que ela era uma kitsune, como um lobisomem, só que raposa. Naquele momento, percebeu que nunca havia perguntado.

— Acho que não estou em condições de reclamar — disse, enquanto ele abria os pés da bandeja e colocava-a com cuidado sobre o quadril dela. — Obrigada, digo, por tudo. Você salvou a minha vida. Você e o Erick. E eu acho que fui bem babaca com vocês dois.

— Não precisa agradecer. Falo por ele também, hoje ele está de plantão — respondeu tranquilo, com um sorriso leve no rosto. — Temos que cuidar uns dos outros, não é? Minha avó sempre diz isso. Apesar de que, da última vez em que nos vimos, você praticamente deslocou meu maxilar. — Riu um pouco sem graça.

— Ah vai, você mereceu. — Ela riu e descobriu que rir doía. Muito. — Thalia ficou tão mal quando você foi embora, que fiquei com raiva. Fui eu que precisei aguentar ela reclamando.

— Relacionamentos começam e acabam todos os dias, ela precisa aprender a lidar com isso. Especialmente porque não tínhamos absolutamente nada. — Ele sentou-se em uma poltrona. — Quando eu a conheci, eu estava me entendendo com o Erick. Não sei o que deu nela, simplesmente resolveu que era minha namorada. E foi isso.

— Eu nunca soube disso — comentou, olhando para o prato. Uma sopa reforçada de legumes. Não era bem o que queria comer depois de tanto tempo no soro, porém, sabia que não podia abusar no pós-operatório. — Mas, conhecendo Thalia, eu realmente não duvido. — respirou fundo, Shay sabia muito bem como sua amiga tinha o dom de distorcer a situação a seu favor.

— Ela passou a aparecer em todo o lugar que eu ia. Um dia, eu estava esperando o Erick com a Fuyu em um parque, então ela apareceu. — Ele recostou mais a cabeça na poltrona e olhou-a com os olhos claros. — Ela não só se apresentou para Erick como minha namorada, como veio com todo aquele papo de que, se eu estava adotando uma menininha, ela ia precisar de uma mãe.

— Ela sabe jogar bem baixo quando quer. — Chegava a se sentir mal por nem ao menos ter tentado saber o outro lado da situação.

— É, Erick foi embora, passou meses sem atender as minhas ligações. E Thalia me seguia onde quer que eu fosse. Foi um "pouco" doentio — comentou. — Teve um dia em que fui buscar Fuyu na escola e ela estava lá, brigando com o segurança e dizendo que era mãe dela. Foi quando percebi que precisava dar um fim naquilo.

Inimigos Mortais (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora