FULANA NO INFERNO

49 2 0
                                    


Fulana chorava.

A mãe, há séculos no hospital, não tinha mais ninguém para cuidar dela. E a filha, única herdeira, ficava lá, o tempo inteiro, como se estivesse internada junto, impedida de se afastar por um só instante.

Não havia qualquer esperança: a velhinha já estava desenganada pelos médicos e deveria entrar logo em fase terminal.

— Não chore, minha filha! — dizia, com um fio de voz.

Fulana, sentada no sofá ao lado, chorava aos prantos.

A mãe, cheia de sondas enfiadas pelo corpo, passava os dias gemendo. E a filha, varando noites e noites, virando a velha de um lado para o outro:

"Até quando?", pensava. "Até quando?"

— Filha, não chore! Todos nós temos um tempo, e o meu já se esgotou...

Fulana, debulhada em lágrimas, soluçava. Mas em seu choro desbragado não havia nenhuma tristeza pela morte iminente da mãe. Não. Isso não existia.

"Ódio!"

Ela era obrigada a ficar ali.

"Que ódio!"

E aquele sentimento vinha das vísceras.

"Tomara que morra logo, a desgraçada!", praguejava em silêncio, voraz e feroz. Não aguentava mais aquela situação.

"Podre!", ruminava entredentes. E essa palavra não lhe saía da cabeça. "Podre!". O cheiro e o estado da velha. Noites maldormidas. Tempo perdido. Dinheiro posto fora.

Fulana destilava veneno.

A herança, que há tanto esperava, começava a ser gasta, antes mesmo de ser sua, naquele inferno de hospital.

E a velha não morria nunca. Triste e agonizante, olhava para a filha, com piedade. Não gemia mais. A única coisa que conseguia, já sem forças, era balbuciar:

— Pobre filha...

Um dia, por motivos financeiros, foram transferidas para um modesto quarto. E a fulana, estirada sobre uma poltrona suja, rasgada e fedendo a mofo, com asco e ódio de estar ali, berrava como uma porca e babava igual a uma vaca, chorando convulsivamente:

"Podre!"

— Pobre filha!

Tempos depois a herança acabava, totalmente consumida nas diárias daquele inferno de hospital.

E a velhinha passou a ocupar um leito, lá embaixo, na enfermaria dos indigentes. A filha, sem ter mais para onde ir, forjou um lugar no canto do corredor e ali passou dias e noites, como um bicho acuado, destilando fel.

Certa manhã, ao entrar naquela enfermaria, uma faxineira se assustou com o silêncio da velha. Sentiu, no ar, a presença da morte. Procurou a enfermeira-chefe e, não encontrando, correu a avisar no plantão, olhos arregalados:

— Morreu! A velha morreu!

Imediatamente vieram as enfermeiras, examinaram a mãe, trocaram o soro, enfiaram-lhe os anestésicos e sedativos e saíram sem perceber que, estirada numa cadeira, lá no fundo do corredor, era a filha da mãe quem estava morta.

Pobre e podre.

Fulana no InfernoWhere stories live. Discover now