Red Nose

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Domingo, quatro horas da tarde, a hora mais preguiçosa da semana. Jogo na TV, uma lata de cerveja morna na mão de B-Homem, som de crianças em algum lugar, graças à deus, longe dali. B-Mulher chegou com passos rápidos – de onde elas tiram tanta energia num domingo? – com um filhote de cachorro embaixo do braço. B-Homem quase cuspiu a cerveja. Era um pit bull.

"Um pit bull?"

"Achei que se não pegasse, nunca teríamos um cachorro."

"Pit bull?"

"B-Cão a partir de agora."

Um mês mais tarde, B-Homem criou afeto pelo bicho. Nos domingos eles se olhavam e riam e brincavam. B-Cão cresceu, um red nose digno de prêmios, mandíbula de tubarão e músculos de gorila.

Algo incomodou B-Homem.

Toda vez que B-Mulher afagava e chamegava a criatura, uma sensação venenosa de ciúmes tomava B-Homem. Talvez fossem os músculos.

Aos domingos, B-Homem erguia halteres de frente para a língua pendente e cara de sonso. Comprou halteres mais pesados. Passou a repetir a rotina nos dias de semana também. Ganhou alguns músculos, mas estagnou. Começou a tomar suplementos. Leu a bíblia do fisiculturismo. Mudou séries. Comprou uma barra, anilhas. Mais anilhas. Dieta.

B-Mulher começou a agir estranha. Não transava mais com ele. B-Homem conheceu um amigo dum amigo e comprou uns produtos que aplicava com seringa. Começou a crescer de verdade. Mais anilhas. Sempre na frente de B-Cão, que latia quando ele tentava sua repetição máxima no supino.

Casa vazia, sem luz, equipamentos de academia e ração espalhados pela sala, uma foto de B-Mulher empoeirada na parede. B-Homem deixou o halter de 40kg cair do antebraço veiúdo, dobrou os joelhos e desabou. B-Cão se aproximou e lambeu a orelha de B-Homem.

Uma semana depois, num domingo à tarde, som de idosos em algum lugar perto dali, a polícia encontrou uma ossada de ossos muito largos.

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