Pequeno Balder

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Ele via os malaki voando perto de sua vila. Subia no topo daquela árvore, num ato de desobediência, bastava fingir que iria brincar com os demais meninos, que ia com eles mergulhar no rio, pois assim prefeririam seus pais, que seu menino chegasse molhado, coberto de mato e até mesmo da lama da beirada do rio, que chegasse sorrindo como uma criança deveria chegar em casa. Não era assim que Balder queria, exceto pelo sorriso. Sentiu o cheiro de pão sendo assado, pegou da mesa um pedaço e comeu obediente, sua mãe lhe acariciou a cabeça e foi ter com seu serviço, seu pai ao ver a mãe ocupada em remexer a lenha do fogão lhe escondeu um pouco a mais de geleia colocando em seu pão, sorrindo com o menino pela maldade que acabava de fazer, "Balder não pode comer muito doce" dizia a mãe, mas eles desobedeciam, eram bons em comer doces, tal como o pai, o filho era.

Andou pelas ruelas de barro pisado, olhou os vizinhos, viu as demais crianças da vila, correndo em direção ao rio, ele fingiu que as seguiria, e por um momento, sua mãe olhando segurando a cerca de madeira o viu longe, saltitando como quem teria mais um dia divertido. E teria, para si mesmo, a diversão que lhe era cabida. Os demais meninos os estranharam numa parte do caminho.

-Que tá fazendo? - perguntou um deles.

-O mudinho não vai dizer onde tá indo não! - disse outro, com remelas nos olhos, Balder pensou que a mãe dele não deveria ser muito zelosa com o filho. O menino pegou uma pedra no chão e lhe atirou. Não tinha problema, Balder desviaria do caminho e seguiria, era bom em se desviar de pedras também, além de comer doces. No bolso carregava as pedras mais formosas que encontrava no chão, poderia atirá-las se assim quisesse, mas não iria desperdiçar com aqueles garotos estúpidos pedras que procurava com tanto esmero. Seguiu pela floresta, a conhecia com a palma da mão, saberia se algum animal selvagem tivesse passado, veria as pegadas. Levou uma hora e encontrou o lugar que queria, um carvalho gigantesco lhe serviria de abrigo naquele dia, dali ele poderia observar, era bom nisso também. Ele queria ver os malaki. Na primeira vez que os viu, chegou em casa alarmado, agitando os braços para todos os lados, perguntou aos pais o que eram, fazendo os gestos de mãos que eles entendiam.

-O que ele tem amor? - Perguntou sua mãe ao pai.

-Não sei mulher, não sei. Calma Balder, diga primeiro. Sim, pássaros. - disse quando viu o gesto de asas que o menino fez - não, na montanha Balder entendi. Pelo Bem! Ele viu os malaki, mulher é isso que Balder tá dizendo.

Levou uma surra. Sabia que tinha se aventurado demais pela floresta, que poderia morrer, ser pego por um lobo, um urso, tão longe que os viu nos céus. Depois disso nunca mais falou sobre eles. Não poderia. Eram distantes de sua vila, não de espaço, mas de tempo, de cultura, seja lá o que cultura quisesse dizer. Depois da surra concluíram.

-Espero que essa passagem deles por aqui seja rápida. - disse sua mãe.

-Estão viajando para o templo do Sul, pobres coitados. - respondeu seu pai com pesar. - Estão indo para a morte.

Não sabia o que era morte, a não ser quando o gato da vizinha morreu, gostava de brincar com ele, de acariciar seu pelo, e de repente o bichano não estava mais ali. Talvez fosse isso, morrer, não estar mais ali, de alguma forma.

E mais uma vez os veria, subiu rapidamente no carvalho, sujando suas mãos do verde na casca, estava ainda úmida pelo sereno da madrugada, o dia ainda iria aquecê-lo, e mesmo assim não escorregou, de tão bom que era em fazer isso. Balder pensava que se não era bom em falar, podia ser bom em tantas outras coisas, seus pais o incentivavam a pensar assim. Eles se preocupavam se os meninos não gostassem dele, por isso fingia que tinha amigos, que andava pela floresta com eles, até onde os lenhadores cortavam sua lenha, pois era seguro. Aquele carvalho não era seguro para seus pais, por isso era um segredo, só dele e de seus novos amigos, aqueles que voavam nos céus. Estava ansioso, pegou o lanche que trouxe, no alto, no galho via a planície se estendendo um belíssimo tapete verde, adiante a montanha dos malaki. "venham logo" pensava, mas eles se demoraram, iriam procurar alimentos, escondidos comprar a lenha dos lenhadores. Com tanta árvore, por que não cortar? Por que comprar? Será que eram bons em voar e não em fazer lenha? Não importa. Desde que voassem daquele jeito bonito de ver. Fazendo o espetáculo particular dele.

Pequeno BalderWhere stories live. Discover now