A chegada

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Eu o conheci no Verão. Foi como uma onda inesperada que me derrubou da prancha.

Minha família tinha uma casa à beira-mar em Lakeside, uma casa antiga, de madeira, mais parecida com um chalé. Todo ano passávamos o verão por lá. Eu, mamãe, papai, minha irmã mais nova e meu avô. Minha avó também vinha antes de morrer há dois anos. A casa não era grande, mas suficientemente espaçosa para todos nós. Na entrada, tinha um jardim com margaridas vermelhas, seguido de uma varanda que dava acesso à porta de entrada, onde tinha suspenso um sino dos ventos, que sempre balançava melancolicamente no fim da tarde, quando o vento batia mais leve. Ainda na varanda, havia um lampião de querosene pendurado no arco que sustentava as colunas, e duas cadeiras de balanço, também feitas de madeira. Era extremamente rústica, o que me cativava profundamente. Era um recanto onde cada segundo valia a pena. Mas acredito que o mais belo de tudo, era o som das marés que iam a e vinham, como que se trouxessem mensagens de um lugar distante. Se você fechasse os olhos por um instante, poderia acreditar que todos os problemas estão resolvidos, poderia até sonhar que está em um mundo onde as pessoas são felizes de verdade, livres da escravidão do julgamento e das incertezas que as acompanham até o último instante de vida. Poderia imaginar que há, acima de tudo, uma paz interminável.

Chegamos já era quase hora do pôr do sol, o céu estava laranja avermelhado, e as demais casinhas ao lado começavam a acender os seus lampiões. Os poucos estabelecimentos que tinham ao redor, começavam a fechar as portas, pois era hora de se reunir à família para o jantar. A união que se percebia entre as famílias era de uma harmonia inspiradora. O canto dos pássaros tocava a alma. Era lento, doce e cheio de amor. Amor pela vida, pela vista, gratidão por mais um dia ter sobrevivido ao purgatório do mundo. Os animais são gratos por coisas que para nós são tão pequenas, como um pôr do sol, mas para eles são grandes, como os sonhos de uma criança.

Entramos na casa e fui ao quarto em que dormiria que era bem no fundo do chalé, onde tinha uma janela grande que dava para o porto, onde havia o descarregamento de mercadorias e também onde se transportava as cargas de pesca, que era a base da economia local. A essa hora, estava vazio, exceto por ele. Foi quando o vi pela primeira vez. E então nunca mais esqueci. Eu nunca havia sentido aquilo. Foi naquele momento que descobri, mesmo que ainda não entendesse, que o amor é como um vagalume na selva, e mesmo que difícil, vale a pena ter paciência para captura-lo.

Eu nem imaginei naquele momento que aquele seria o primeiro grande amor da minha vida. Primeiro porque tinha acabado de vê-lo pela primeira vez, e depois porque era um garoto. Era uma ideia inconcebível, até aquele momento, que eu pudesse, um dia gostar de um garoto. Mas havia algo nele que me atraia só de olhar. Algo que era além de seus cabelos cacheados e seu corpo, era algo profundo. Mas isso parecia impossível. Eu nem o conhecia. Assim como não o conhecia, não conhecia o amor tal como começava a se revelar.

Fechei a janela, arrumei algumas coisas no quarto e enquanto esperava o jantar, decidi sentar à beira do mar, para admirar o finzinho da tarde. Fiquei muito tempo sentado pensando no que acabara de sentir quando vi aquele garoto, que nem sabia que existia, assim como não sabia que existia o que senti.

-Veio passar o Verão por aqui?

Era ele. Levei um grande susto, pois estava com a mente viajando longe, mas mais ainda por ser ele.

- Desculpa, não quis assustar. Mas vi você sentado e percebi que nunca o vi por aqui.

-Eu venho aqui todo verão há uns dez anos.

-Eu me mudei no fim do verão passado. Por isso nunca o vi então. Vai ficar o verão todo?

-É o plano.

-Nem me apresentei...Eu sou o Kyle.

-Mark –Levantei e apertei sua mão. Nossos olhos se encontraram por um instante único, mas logo soltei sua mão e desviei o olhar.

- Bom, não há muitos jovens por aqui, e tampouco são meus amigos. Se quiser amanhã dar uma volta, pode me mostrar alguns lugares. Imagino que deve haver muitos lugares que não conheço, nunca explorei bem o local, você deve conhecer bem, já que vem a tanto tempo.

- Claro, pode ser de manhã? – Nem pensei para responder, o que mais queria era ficar mais tempo com ele.

- De manhã não dá. Eu tenho que ajudar meu avô com a pesca. O que acha de logo após o almoço?

-Tudo bem.

-Ótimo! Até amanhã então...

Ele acenou com a cabeça, sorrindo e virou indo em direção ao porto, onde provavelmente residia próximo. Enquanto ia caminhando, como estava sem camisa, eu observava suas costas magras mas bem definidas. Senti um repentino desejo de tocá-las. Me odiei por isso.

O medo pelo que sentia era tão intenso, mas mesmo assim, não conseguia deixar de sorrir. Eu jamais imaginei me apaixonar por um garoto. Mas algo nele me tocava muito forte. É claro que sempre me ensinaram o quão errado isso é. Mas como podia ser errado, se era tão bonito quanto o pôr do sol ou o canto doce dos pássaros. Essas pessoas nunca admiraram um pôr do sol, como também nunca descobriram o amor de verdade. Uma pena.

Jantei com meus pais e minha irmã pequena, Lexie, que aos poucos ia aprendendo a falar. Jamais deixaria que mentissem para ela, dizendo que coisas bonitas são erradas. A vantagem de ser o irmão mais velho é ter em suas mãos o poder de ensinar o mais novo. Quando se é criança, isso não parece uma coisa muito boa. Mas quando ganha-se alguma experiência de vida, isso se torna um dos maiores benefícios. Quando você ensina algo bom a alguém, sente que ganha um pontinho de bondade seja lá onde for. Papai percebeu que estava demasiado quieto, com a mente longe...então perguntou:

-O que você tem Mark?

-Nada- respondi com olhar fixo no prato.

-Está muito quieto. Com quem estava conversando?

-O que?

-Vi você se despedindo de alguém na beira do mar. Quem era?

-Ah...um garoto que mora por aqui.

-Nunca o vi aqui. Se mudou a pouco provavelmente.

-Um ano- queria me esquivar do assunto, mas seria estranho demais, então decidi poupar palavras nas respostas.

-Gostou dele?

-Como assim? - meu coração ficou mais acelerado e minha voz atingiu um leve tom de nervosismo.

-Como assim o que? Quero saber se achou que é uma pessoa boa, sabe, para formar uma amizade. Você sempre fica muito sozinho por aqui, seria bom conhecer alguém.

-Acho que sim...

-Por que não o convidou para pescar conosco amanhã rapazinho? -perguntou meu avô- Nada como uma boa pesca para firmar uma grande amizade.

-Nem pensei nisso...mas combinamos de dar uma volta à tarde, para eu mostrar alguns lugares para ele. Não conhece muita coisa por aqui.

-Muito bem então...mas lembre-se de voltar antes da seis, vamos a igreja.

-Amanhã?

-Sim senhor. Todos nós- Confirmou mamãe

-Por que nós vamos a igreja mamãe? - Perguntou Lexie em toda sua inocência.

-Porque precisamos querida. Temos que ouvir a Jesus.

-Mas o que Jesus tinha para nos dizer não está na bíblia? Não precisamos ir à igreja para ler a bíblia.

-Mas Jesus quer nos dizer coisas novas. Chega de perguntas Lexie. Mark, me ajude com a louça e depois, cama. Amanhã vai ter que levantar para a pesca.

Agradeci aos céus por Lexie ter desviado o rumo do assunto, mas confesso que fiquei um tanto descontente com a ideia de ir à igreja; eu acredito e tudo, mas, por mais que eu me esforce, não consigo imaginar Jesus dentro de um templo com roupas sociais e barba feita. Acho que quando penso nele, o imagino na praia ou no campo, falando para quem quiser ouvir sem perguntar isso ou aquilo sobre a pessoa.

O cansaço do dia havia chegado, então rapidamente ajudei minha mãe com a louça e logo fui para cama. Quando deitei minha cabeça no travesseiro, nem passava pela minha cabeça tudo o que aconteceria no dia seguinte. 

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⏰ Last updated: Jun 04, 2018 ⏰

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Onda de Verão (Romance Gay)Where stories live. Discover now