Capítulo 16

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Lá estava eu, com os ponteiros do relógio teimando em apontar para as 6:30 da manhã, como se o sol ainda estivesse indeciso sobre aparecer. Incrível como o tempo voa quando a conversa flui, e eu me vi ali, naquele limiar entre a noite e a aurora, ainda mergulhada em um diálogo que parecia ter uma vida própria. Sim, acredite se quiser, eu tinha passado a noite toda tagarelando com o Aston.

Durante este enredo peculiar, Aston precisou sair para pegar uma entrega que nos esperava na recepção. E foi nessa pausa que a ficha começou a cair. Aston não é o idiota, fascista, arrogante e machista que eu tinha imaginado. Pelo contrário, ele é comunicativo, compreensivo e incrivelmente divertido.

Agora, estamos cercados de pacotes vazios de comida e saches de ketchup abertos espalhados pela cama. Mas a conversa não dá trégua. Com nossos estômagos satisfeitos e bocas vazias, eu continuo a conversa:

-E seus pais? Como reagiram quando souberam? - Pergunto depois que ele conta sobre ter sido expulso da escola por pichar todos os carros dos professores.

Aston está sentado no chão com os seus dois preciosos travesseiros, enquanto eu estou na cama.

-A minha família nunca se importou comigo e começou a se importar menos ainda depois que... - Ele dá uma pausa longa. - Uma vez eu fiquei fora de casa por um tempo, depois de uma semana voltei para casa e eles simplesmente não tinham sentido minha falta, me viram e pediram para ir ao mercado.

Ele solta um sorriso triste, mas não o acompanho. A cada minuto que passa percebo que nós tínhamos muitas coisas em comum.

-Também tenho problemas com meus pais. - Desabafo. -  Fui expulsa de casa aos 16 anos, nunca mais vi meu pai e minha mãe, só me liga quando precisa de mim para interpretar o papel de família feliz...

Me lembro de meu pai no hospital, tento sentir rancor por não faze-lo uma visita, mas não consigo. Eu nunca tinha chegado tão longe e contado essa história para alguém, o fato de ter saído com tanta facilidade me surpreende.

-O que você fez? - Pergunta ele receoso.

-Na verdade, nada...

Eu não gostaria de falar sobre aquilo mas, por algum motivo, sinto que Aston me entenderia. Respiro fundo e continuo:

-Eu vim de uma família considerada perfeita e bem, como você pode perceber eu não me encaixei nesse requisito... - Olho para Aston, ele realmente está prestando atenção. - Mas aquele foi um dia normal, eu estava voltando do shopping depois de ter roubado algumas coisas, então abri a porta, meu pai avançou em minha direção, - Aquela imagem ficou nítida em minha cabeça, e não consegui segurar as lágrimas. - o meu irmão o segurou, mas lembro de cada palavra dele : "Sua vagabunda, como você pode fazer isso com nossa família?" Aí recebi um tapa da minha mãe e fui expulsa de casa sem ao menos eles me falarem o porquê.

Eu desabo e choro como há tempos não fazia. Aston sobe na cama e depois de hesitar alguns segundos, me abraça desajeitado, talvez ele também não fizesse isso há anos. Então, retribuo o apertando forte contra mim. Um calafrio percorre o meu corpo, o que me faz ficar sem jeito e afasto ele de mim.

Seu olhar me acalma, pude sentir a compaixão e a sinceridade que eles emitem. Após alguns segundos nos olhando, ele fala:

-Eu tinha um irmão mais novo, o Logan. Um dia fomos em um clube onde deveria ter tomado conta  dele. - Aston desvia o olhar e para encarar o vazio. - Então, ele me pediu para comprar um sorvete, - Ele abre um sorriso rápido, mas logo o seu semblante escurece. - e quando eu voltei, tinha várias pessoas em volta de uma das piscinas... E eu vi o corpo do meu irmão...

Seus olhos carregam várias lágrimas, mas ele faz um ótimo papel em segurá-las.

-Não foi sua culpa, por favor, nem pense uma coisa dessas.

Então aquelas duas crianças na foto em sua cômoda eram Aston e seu irmão. Consigo imaginar vividamente como ele deve estar se sentido neste momento. Tento abraça-lo, mas nossos rostos se encontram. Aston se aproxima mais e começamos a compartilhar a mesma respiração. Seus olhos azuis cintilam, talvez o brilho vinha do choro que ele ainda segura.

De perto ele consegue ser ainda mais irresistível, seus olhos seguem em direção à minha boca, mas eu continuo olhando para aquela piscina infinita... Não é uma boa hora para usar aquele termo, mas Aston não lia pensamentos, graças a Deus.

Então ele se aproxima para um beijo que eu recuo sem pensar. Ele me olha espantado, por que eu fiz aquilo?

-Desculpa. -Pede com a voz um pouco mais grossa do que realmente é.

Ele se joga de volta ao chão. E eu fico parada sem saber o que fazer.

-Eu vou no banheiro. - Falo me dirigindo até o cômodo.

-E eu preciso fazer uma entrega. - Diz ele se levantando, pegando o saco de joias em sua cômoda e saindo pela porta. 

Travo na entrada do banheiro e encosto a cabeça na porta, um sorriso brota em meu rosto. Talvez fosse do nervosismo da situação ou, apenas, um sorriso sem motivo.

KarmaWhere stories live. Discover now