Capítulo 17- Elementos de convicção

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  Do ponto de vista filosófico, a Doutrina Espírita é perfeitamente racional, mas fica sempre de pé a questão das manifestações, que não pode ser resolvida senão por fatos; ora, é a realidade destes que muita gente contesta, e não deveis achar extra ordinário o desejo que vos manifestam de testemunhá-los. 

 — Acho-o muito natural; todavia, como eu procuro que eles sejam aproveitados, explico em que condições convêm que cada um se coloque, para melhor observá-los e, sobretudo, compreendê-los; ora, quem não aceita essas condições, mostra não ter sério desejo de esclarecer-se, e com tal pessoa é inútil perdermos tempo. 

Convireis, também, que seria singular que tão racional filosofia tivesse saído de fatos ilusórios e controvertidos. Em boa lógica, a realidade do efeito implica a da causa que o produz; se um é verdadeiro, a outra não pode ser falsa, porque, onde não há árvores, não se pode colher frutos. Nem todos, é certo, testemunharam os fatos, porque não se colocaram nas condições precisas para observá-los; não tiveram a paciência e a perseverança exigidas. 

Mas isso também se dá com todas as ciências: o que uns não fazem, é feito por outros; todos os dias, aceitamos o resultado dos cálculos astronômicos, sem que nós mesmos os façamos. Seja como for, se achais a filosofia boa, podeis aceitá-la como aceitaríeis outra qualquer, conservando vossa opinião sobre as vias e meios que a ela conduziram, ou, ao menos, não a admitindo senão a título de hipótese, até mais ampla constatação.

 Os elementos de convicção não são os mesmos para todos; o que convence a uns, não produz impressão alguma em outros; assim sendo, é preciso um pouco de tudo. 

É, porém, um engano crer-se que as experiências físicas sejam o único meio de convencer. Notei que em algumas pessoas os mais importantes fenômenos não produziram a menor impressão, ao passo que uma simples resposta escrita venceu todas as dúvidas. 

Quando se vê um fato que não se compreende, quanto mais extraordinário ele é, mais suspeitas desperta e mais o pensamento se esforça para lhe dar uma causa vulgar; se ele, porém, for compreendido, é logo admitido por ter uma razão de ser, desaparecendo o maravilhoso e o sobrenatural.

 Certamente as explicações que vos acabo de dar, nesta conversa, longe estão de ser completas, mas sumárias como são, estou persuadido de que vos levarão a refletir; e, se as circunstâncias vos fizerem testemunhar alguns fatos de manifestação, vê-los-eis com menor prevenção, porque possuireis uma base onde firmar o vosso raciocínio. 

Há duas coisas no Espiritismo: a parte experimental das manifestações e a doutrina filosófica. Ora, eu sou todos os dias visitado por pessoas que ainda nada viram e creem tão firmemente como eu, pelo só estudo que fizeram da parte Pequena conferência espírita filosófica; para elas, o fenômeno das manifestações é acessório; o fundo é a doutrina, a ciência; eles a veem tão grande, tão racional, que nela encontram tudo quanto pode satisfazer às suas aspirações interiores, à parte o fato das manifestações; do que concluem que, supondo não existissem as manifestações, a doutrina não deixaria de ser sempre a que melhor resolve uma multidão de problemas reputados insolúveis. 

Quantos me disseram que essas ideias estavam em germe no seu cérebro, conquanto em estado de confusão. O Espiritismo veio coordená-las, dar-lhes corpo, e foi para eles como um raio de luz. É o que explica o número de adeptos que a simples leitura de O livro dos espíritos produziu. Acreditais que esse número seria o que é hoje, se nunca tivéssemos passado das mesas giratórias e falantes? 

 — O senhor tinha razão de dizer que das mesas giratórias e falantes saiu uma doutrina filosófica, e longe estava eu de suspeitar as consequências que surgiram de um fato encarado como simples objeto de curiosidade. Agora vejo quanto é vasto o campo aberto pelo vosso sistema. 

 — Nisso vos contesto, caro senhor; dais-me subida honra atribuindo-me esse sistema quando ele não me pertence. Ele foi totalmente deduzido do ensino dos Espíritos. Eu vi, observei, coordenei e procuro fazer compreender aos outros aquilo que compreendo; esta é a parte que me cabe.

 Há entre o Espiritismo e outros sistemas filosóficos esta diferença capital; que estes são todos obra de homens, mais ou menos esclarecidos, ao passo que, naquele que me atribuís, eu não tenho o mérito da invenção de um só princípio.

 Diz-se: a filosofia de Platão, de Descartes, de Leibnitz; nunca se poderá dizer: a doutrina de Allan Kardec; e isto, felizmente, pois que valor pode ter um nome em assunto de tamanha gravidade?

 O Espiritismo tem auxiliares de maior preponderância, ao lado dos quais somos simples átomos.  

Temas EspíritasWhere stories live. Discover now