Capítulo 3

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Afeições...
Não são uma opção!

          Talvez você perceba porque é espantoso para mim o fato de tantas pessoas tentarem definir o verdadeiro cristianismo em termos de decisões e não de afeições. Não que decisões não sejam essenciais. O problema é que elas requerem muito pouca transformação. Meras decisões não são evidências certas de uma obra da graça de Deus no coração. Pessoas podem tomar “decisões” sobre a verdade de Deus enquanto seus corações estão longe dEle.
          Nós temos nos distanciado do cristianismo bíblico de Jonathan Edwards. Ele apontava para 1Pedro 1.8 e argumentava que “a verdadeira religião, em sua grande parte, consiste em afeições."

Embora não o tendes visto, o amais; e embora não o vedes agora, credes nele e exultais com gozo inefável e cheio de glória.
(1Pe 1.8)

          Por toda a Escritura existem mandamentos para sentir, não somente pensar ou decidir. Deus requer que experimentemos dezenas de emoções e não somente realizemos atos que requerem força de vontade.
          Por exemplo, Deus nos manda não cobiçarmos (Êx 20.17). É óbvio que todo mandamento para não termos um determinado sentimento é também um mandamento para ter um outro sentimento. O oposto da cobiça é o contentamento, e é exatamente isso que nos é ordenado experimentar em Hebreus 13:5: “Contentando-vos com o que tendes”.
          Deus nos ordena a não guardarmos rancor (Lv 19.18). O lado positivo de não guardar rancor é perdoar “de coração”. É isto o que Jesus nos ordena fazer em Mateus 18.35: “Assim vos fará também meu Pai celeste, se de coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas”. A Bíblia não nos diz para tomarmos uma decisão de deixarmos de lado a mágoa.

Estar satisfeito
em Deus é o
nosso chamado
e dever.

          Ela nos diz para experimentarmos uma mudança no coração. A Bíblia vai ainda mais longe, pedindo de nós certa intensidade. Por exemplo, 1Pedro 1.22 nos ordena: “Amai-vos ardentemente uns aos outros de coração”. Romanos 12.10 diz: “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal”.
          Algumas pessoas ficam muitas vezes incomodadas com o ensinamento para se buscar o prazer cristão, de que os sentimentos fazem parte do nosso dever, que eles nos são ordenados. Isto parece estranho porque as emoções não estão sob o nosso controle imediato da mesma forma que a força de vontade está. Mas a busca pelo prazer cristão diz: “Considere as Escrituras”. Emoções são ordenanças por toda a Bíblia.
          As Escrituras ordenam alegria, esperança, temor, paz, tristeza, desejo, benignidade, quebrantamento e contrição, gratidão, humildade, dentre outros.19 Portanto, a busca pelo prazer cristão não está dando atenção exagerada à emoção quando diz que estar satisfeito em Deus é nosso chamado e dever.
          É verdade que muitas vezes nossos corações são preguiçosos. Nós não sentimos a profundidade ou intensidade dos sentimentos que são apropriados para Deus ou Sua causa. É verdade que nestes momentos precisamos exercitar a nossa força de vontade e tomar decisões que esperamos que reacendam a nossa alegria. Ainda que um amor sem alegria não seja o nosso objetivo (“Deus ama ao que dá com alegria” [2Co 9.7]; “O que exerce misericórdia, com alegria” [Rm 12:8]), é melhor cumprir com um dever sem alegria do que não cumprir, desde que haja um espírito de arrependimento de que não cumprimos com todo o nosso dever por causa da lentidão dos nossos corações.
          Freqüentemente me perguntam o que um cristão deveria fazer se a alegria da obediência não existe. É uma boa pergunta. Minha resposta não é simplesmente a de que devemos prosseguir com nosso dever mesmo assim porque os sentimentos não importam. Os sentimentos são importantes! Minha resposta tem três passos. Primeiro, confesse o pecado da falta de alegria (“Desde o fim da terra clamo a ti, por estar abatido o meu coração; leva-me para a rocha que é mais alta do que eu” [Sl 61.2]). Reconheça a frieza do seu coração. Não diga que não importa como você se sente. Segundo, ore seriamente para que Deus restaure a alegria da obediência (“Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; a tua lei está dentro do meu coração” [Sl 40.8]). Terceiro, prossiga em fazer a dimensão externa do ser dever, na m esperança de que o fazê-lo reacenderá o seu prazer em Deus.
          Isto é muito diferente de dizer: “Faça a sua obrigação porque os sentimentos não contam”. Estes passos supõem que a hipocrisia existe. Eles baseiam-se na crença de que o nosso objetivo é unir o prazer e o dever, e que a justificativa dessa separação é a justificativa do pecado.

A criação de
alguém que
busca prazer
cristão é um
milagre da
graça soberana.

          Sim, torna-se cada vez mais evidente que a experiência do prazer em Deus ultrapassa o que o coração pecador consegue fazer. Vai contra a nossa natureza. Somos escravos do prazer em outras coisas (Rm 6.17). Nós não conseguimos simplesmente decidir ficar alegres sobre algo que achamos chato, desinteressante ou ofensivo como Deus. A criação de alguém que busca prazer cristão é um milagre da graça soberana. É por isso que Paulo disse que tornar-se cristão é o mesmo que ressuscitar (“Estando ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo” [Ef 2.5]). É por isso que Jesus disse que era mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um homem rico parar de amar o seu dinheiro e começar a amar a Deus (Mc 10.25). Camelos não podem passar pelo fundo de agulhas, assim como homens mortos não podem se vivificar. Então, Jesus adiciona: “Para os homens é impossível, mas não
para Deus; para Deus todas as coisas são possíveis” (Mc 10.27). Então, a busca pelo prazer cristão proporciona uma completa dependência da soberania de Deus. Ele nos ensina a ouvir o mandamento: “Deleita-te também no Senhor”, e então a orar como Santo Agostinho: “Concede-me o que me ordenas, e ordenas o que quiseres”.

Plena Satisfação em Deus - John PiperWhere stories live. Discover now