EPISÓDIO XI - CLICHÊS DA MANHÃ

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Analua adorava segunda-feira, especialmente as de outono. Algo bastante clichê de se pensar, considerando seu nome artístico e tudo o mais, mas Ana Luísa não tinha nada contra ser previsível em alguns pontos e romântica de mais em tantos outros. Ela era uma artista, alguns luxos poderia se dar. Mas suportar uma segunda-feira com Adrian tentando tornar tudo mais difícil quase tirava o bom humor matinal da adolescente.

— Pelo amor de Deus, Adrian! – ela berrou pela sétima vez naquela manhã, enquanto via sua mãe tentar fazer o caçula dos Canella comer. Mas André, para variar, não estava facilitando o trabalho de ninguém, e a matriarca estava não só atrasada como com a roupa suja de achocolatado. – Você é um inútil folgado, mas eu tenho aula!

— Você é a única adolescente do mundo que sente prazer em ir para a escola – o irmão mais velho resmungou.

— Porque é o melhor colégio do mundo! – jogou o resto de biscoito no rosto do irmão, que, acostumado com os ataques matinais, desviou no último segundo. O biscoito acertou em cheio a marca suja da blusa da mãe deles. – Eita.

— PRA FORA VOCÊS DOIS! – Cássia gritou, perdendo o pouco que restava da paciência que mantinha com toda sua garra de mãe solteira. – Ou vou levar vocês para a escola pela orelha!

— Que injusto! Eu nem preciso ir para a escola – Adrian resmungou.

— Para você ver que deve levar sua irmã agora se quiser voltar para casa e dormir o resto da tarde!

— Eu não durmo o resto da tarde.

Mas nem Adrian era capaz de bater de frente com Cássia, quando esta perdia a paciência. Então, contente por ainda estar no horário, Analua pegou sua mochila e saiu de casa, com seu irmão ainda resmungando na sua orelha.

— Você sempre foi insuportável pela manhã, mas está pior nessa escola. Encontrou o centésimo amor da sua vida esse ano lá, foi?

Ana Luísa preferiu apenas dar a língua para ele.

Não valia a pena retrucar aos apontamentos de Adrian, menos ainda se fossem antes das sete da manhã. Ou antes do almoço, para ser mais específica. O irmão revirou os olhos e puxou os cabelos dela, enrolando na própria mão. Claro que a reação típica da irmã mais nova foi jogar a mochila nele.

Infelizmente, ele era bem treinado com todas as brigas infantis que os dois tiveram em suas vidas. Com apenas um ano de diferença, os dois cresceram num misto estranho de cúmplices eternos e inimigos inveterados, variando as trocas de emoções com tanta intensidade que até Cássia tinha desistido de tentar entender.

Ana Luísa amava Adrian na maior parte do tempo. Ele ensinou a ela as coisas mais úteis do mundo: os primeiros acordes do violão, como compor uma música de maneira simétrica, as primeiras palavras em inglês e como lidar com garotos. Os dois eram mesmo parecidos, não só em personalidade, mas fisicamente. Muita gente dizia que se pareciam mais do que se pareciam com a mãe – o que provavelmente era verdade. Era como ter um irmão gêmeo, sem ser gêmeo. E a garota gostava.

Mas isso não a impedia de odiá-lo em tantos outros momentos.

Como naquele, em que ele desviou bem a tempo e sua agilidade resultou na mochila acertando outra pessoa. Pior que outra pessoa: acertou Bernardo, que ainda parecia dormindo, quase como se não habitasse mesmo seu próprio corpo, e cambaleou para trás sem ao menos levantar as mãos para se proteger do impacto da mochila no seu rosto.

— Ai! – Analua gemeu, pensando que com todas as coisas que ela colocara na bolsa, para sobreviver ao dia inteiro na escola. Aquilo devia ter doído muito.

Mil Voltas de SaturnoWhere stories live. Discover now