Certo dia, umas cinco da tarde em um dia ameno de julho no torpor do sono que a rodeava a menina no ônibus ela começou a pensar, pensou no garoto que agora tanto ama, queria pensar algo bom com toda certeza, mas não pôde.
Seu pensamento viajara de encontro ao seu passado, deveras recente, porém passado. Lembrou-se de como ela o achara cego na época e da solidão que sentira, assim como da pontada de ódio.
É claro que a garota se lembrava de sua relação com ele naquele momento passado, lembrava-se bem de afastá-lo da forma mais rude possível e por isso não o culpava por não vê-la como humana e vítima de seu próprio comportamento.
Mas que raio de lembrança é essa, deve estar pensando, caro leitor. Era a lembrança de quando ela teve de viver uma época difícil e deveras adulta para sua maturidade no momento.
Nesses dias, ela passava pela operação da mãe e pela experiência de ter que cuidar da casa como se fosse adulta, senão pelo fato de não pagar contas. De qualquer forma, a pressão de sua própria vida e agora de uma segunda "identidade" a estava enlouquecendo e o medo de falhar a consumia cada segundo mais. Ela precisava de alguém para ouvi-la e quem sabe consola-la, e ela sabia, mas ela também sabia que tinha um defeito bem grande: ORGULHO. Essa garota odiava ter que contar algo a alguém, qualquer coisa que lhe parecesse uma fraqueza.
Contudo, nesse dia, acho eu, o universo estava de bom humor com ela e um conhecido enviou uma mensagem enchendo-lhe o saco e ela acabou, em seu momento de caos interno, se deixando levar pela conversa até o momento em que lhe contara tudo o que a afligia, mesmo que no fundo ela soubesse que ele não se importaria com o que ela estava dizendo e que no fundo nem com ela ele se importava, pois nem amigos eles chegavam a ser.
Aquela sensação de botar tudo para fora, como um vômito de depressões, perdoem a expressão nojenta, era para ela libertadora, mas logo ela se fora, porque no dia seguinte o garoto nem oi lhe dera.
É fato que ela não esperava que ele lhe desse um abraço apertado, lhe acariciasse o cabelo e lhe dissesse que iria ficar tudo bem e que aquilo seria só uma fase ruim a passar e que ele estaria ali por ela. Não, ela gostava de filmes de princesas e daquilo de amor incondicional e amizade eterna, mas estava bem claro que não era aquilo que se passava entre eles, haja vista que ele queria a amiga dela e não via a "vítima" de todo aquele caos de outra forma que não como uma conhecida. Ela nem mesmo esperava que ele percebesse que estava sendo seu ombro amigo e que aquilo era um pedido de ajuda, e aquela situação de certa forma lhe trazia certo alívio ao ego, mas não ao coração. Mas, de toda forma, ela também não esperava que ele a ignorasse.
Infelizmente dali para frente o que houve foram dias e mais dias de bons dias, boas tardes, ois e quaisquer outras palavras que se pudessem trocar no corredor, ignoradas por completo. E, também, infelizmente, de muitas pontadas de ódio e nenhuma simpatia acumuladas por ela, mas acima de tudo ela sentira não tristeza nem melancolia, mas uma solidão cada vez maior que ela mesma havia criado e que diante do acontecido apenas se espalhara como um câncer.
A garota no ônibus enfim adormecera pensando no grande tumor que ela mesma criara em suas emoções.
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Diário de uma Garota em fuga do mundo
Non-FictionNão há como fugir do mundo as vezes, então ela apenas escreve em um diário as coisas que não saem em palavras e ações.