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A estratégia do namorado

Após dez anos trabalhando na Lawa, Yenny Aude estima que, em cerca de 35% dos casos com os quais lidou, de fato tenha havido tráfico.

"Mas nenhuma mulher disse: 'Fui traficada'. Muitas vêm pedir ajuda por outras razões. Quando começam a contar suas histórias é que percebemos que foram vítimas de tráfico. Elas não reconhecem."

Para Carolina Gottardo, diretora de outra ONG voltada para mulheres latino-americanas no Reino Unido, a Latin American Women's Rights Service (Lawrs, na sigla em inglês), falta informação sobre o que exatamente é e como ocorre o tráfico.

"Minha experiência nos últimos anos mostra que muitas vezes o tráfico não se dá de maneira tradicional. Elas não são sempre forçadas por um estranho. Ou uma empresa lhes promete o trabalho dos sonhos na Europa e, quando chegam, são obrigadas submeter-se à exploração sexual", diz Yenny.

Uma maneira atual de aliciar as mulheres é, segundo ela, o uso da figura do namorado. "Imagine: você está no Brasil, na Venezuela ou na Colômbia, vem este homem europeu e te conquista. Vocês ficam amigos e depois começam a namorar. Mas, assim como ele namora com você na Venezuela, namora outra no México e outro na Colômbia, por exemplo."

"Finalmente, ele diz: 'Meu amor, venha me visitar na Inglaterra, eu pago a passagem'. Quando a mulher chega a convite do suposto noivo, entra em uma situação de tráfico, na qual é obrigada a se prostituir."
Em muitos casos, o "namorado" desaparece assim que o casal pisa na Europa. "Quando as mulheres são interrogadas pela polícia após escaparem ou serem liberadas, elas falam do suposto namorado", afirma Yenny.
"Vim visitar meu namorado" ou "cheguei com meu namorado" são explicações não classificadas como tráfico. Entrar no país dizendo às autoridades que estão visitando seus namorados nativos não acende nenhum alerta na imigração.

"Uma vez que a mulher entende ter sido vítima de tráfico, é extremamente difícil fazer com que denuncie seu caso", afirma Yenny. "Elas não querem falar sobre isso."

"São mulheres que iam visitar seus namorados ou até casar-se com eles, e só a ideia de contar o que aconteceu já é impensável. Elas querem voltar a seus países, mas não querem retornar com o estigma de terem sido traficadas ou se prostituído."

Apesar de muitos casos não serem denunciados, Yenny lembra-se de uma ocasião em que a "estratégia do namorado" foi reconhecida como tráfico de pessoas pela polícia britânica.

Uma brasileira viajou para Portugal com seu namorado português, e ele acabou levando-a ao Reino Unido. Como costuma acontecer, o homem a entregou a um grupo de pessoas. "Ela não conseguia acreditar que esse homem tinha feito isso. 'Ele foi na minha cidade, conheceu minha família, meus pais', dizia."

'Vítimas potenciais'

Saber exatamente quantas mulheres foram traficadas no Reino Unido é difícil - e torna-se ainda mais complexo quando se refere às latino-americanas, não só porque muitas sobreviventes preferem não denunciar, mas porque os casos são difíceis de serem detectados pelas autoridades.
Especialistas dizem que o tráfico de latino-americanos geralmente ocorre de maneira mais informal, na qual um conhecido da vítima costuma estar envolvido.

O National Referral Mechanism (NRM, na sigla em inglês), programa do governo britânico para identificar e ajudar as vítimas de tráfico ou escravidão moderna, diz que as estatísticas se referem às "vítimas potenciais" que chegaram ao programa e incluem processos em investigação.

Entre 2014 e setembro de 2016, o NRM afirma que a maioria das vítimas potenciais é da Albânia, do Vietnã e da Nigéria.

Da América Latina, foram registrados 22 casos referentes a Bolívia, Brasil, Cuba, Guatemala, Nicarágua, Honduras, México, Panamá e República Dominicana, relacionados não só com exploração sexual, mas também com servidão doméstica e exploração de trabalhadores.

tráfico de mulheres (Entrevistas).Où les histoires vivent. Découvrez maintenant