four

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Gilbert

Ela me encarava com os olhos arregalados, estava surpresa e nervosa. Percebi que até Josie havia parado de rir, o que faríamos?

Eu e Anne sempre tivemos uma 'richa', isso não acabaria por um jogo. O que ela faria? Como agiria? O que diria?

A encarei, a mesma olhava Ruby, como se pedisse permissão - todos sabiam que Ruby tinha uma quedinha por mim.

Me levantei, caminhei até ela e estendi a mão, ela pegou e se levantou. Sorri tentando tranquiliza-la e quando ia me aproximar a porta foi aberta bruscamente.

"Anne" Jerry, o menino francês, murmurou e respirou fundo, recuperando o fôlego.
"Jerry? O que faz aqui?" Shirley se afastou mais ainda de mim.
"Marilla..." murmurou mas a ruiva ouviu, Anne não esperou mais; pegou sua cesta, chapéu e casaco e saiu correndo do colégio.
"Jerry, o que aconteceu?" Diana perguntou preocupada, é só aí o garoto pareceu perceber que eram o centro das atenções. ele a respondeu em francês, Diana era a única da classe que falava esse idioma fluentemente. os olhos da garota se arregalam, ela pegou suas coisas e saiu com Jerry em seu alcance. Todos ficaram em silêncio, tentando entender o que havia acontecido.

•••••

Anne não vou para o colégio no dia seguinte, ou no outro, ou na semana seguinte. Eu sentia sua falta e ficava me perguntando se ela se sentiu assim quando deixei Avonlea para viajar pelo mundo. Me sinto péssimo por fazê-la sentir tal coisa, é horrível.

Diana não estava tão sorridente como de costume, Srta. Stacy já havia perguntado sobre a Cuthbert e Cole tinha um olhar triste - Diana era sua amiga, mas Anne deveria ser algo como seu 'porto seguro', eles sempre foram bem próximos - e desenhando pelos cantos; as vezes me pego pensando se Anne e Cole tem alguma coisa além de amizade.

Esses dias vi um desenho dela no caderno dele. Cole havia desenhado a ruiva. Billy Andrews derrubou tinta no caderno do garoto e ele usou as manchinhas da folha menos atingida como se fosse as sardas da garota; era um belo desenho.

•••••

Bash havia me perguntado porquê eu andava tão distante, a verdade é que nem eu sei. Não sei porquê fico sentado no jardim por horas apenas admirando o horizonte e o pomar, ou simplesmente ficar lendo em um canto afastado.

"Você está estranho, Blythe. Tem certeza que está tudo bem?" perguntou certa vez e eu apenas fiz que sim com a cabeça.

Sebastian era minha família, como um irmão que nunca tive. Meu pai ficaria orgulhoso por eu ter amigos como ele.

•••••

Anne finalmente voltou para o colégio, esteve a semana inteira cuidando de Marilla, que estava com fortes dores de cabeça e tontura. Fiquei feliz por ela ter voltado, e por Marilla estar bem.

Ninguém tocou no assunto do beijo que não demos, mas eu gostaria que alguém voltasse nele. Queria beijá-la novamente, sentir seus lábios nos meus.

"Posso te acompanhar até sua casa?" perguntei a Anne assim que ela saiu da escola; eu a esperava na porta.
"Eu adoraria, mas preciso ir a um lugar antes" negou e saiu andando.
"Não me importo em esperar, não com você" sorri enquanto corria para acompanhá-la.
"É segredo, você não pode ir" sério?
"Segredo? Isso só me deixa mais curioso" sorri.
"Se eu te deixar ir, você para de falar na minha cabeça?" a velha Anne está de volta.
"Claro, ruiva"
"Você precisa jurar que jamais contará a alguém o que viu lá ou onde foi. Você jura?" ela estendeu o dedo mindinho e eu fiz o mesmo, entrelaçando nossos dedos.
"Eu juro"

Continuamos caminhando, entrando na floresta e indo sabe se lá pra onde, até avistar uma casinha de madeira.

"Jure novamente" ela se vira para mim.
"O que?" perguntei meio perdido, estava muito distraído com a pequena distância entre nós.
"Jure novamente, Gilbert" repetiu.
"Eu juro" assegurei. eu não sou de mentir e ela sabe disso; se me fez jurar duas vezes é porque esse lugar é extremamente secreto e importante.

Entramos e ela pegou alguns livros enquanto eu observava o lugar: tinha cortinas nas 'janelas', umas esculturas de barro, conchas, baús, livros, flores e um filtro dos sonhos por toda a cabana; era lindo, como um reino encantado onde Anne poderia imaginar e criar suas histórias, o reino de Anne. Por isso ela estava tão nervosa, esse é seu lugar secreto.

"É incrível" comentei assim que saímos.
"O que?" ela me encarou.
"A cabana, é como um reino encantado"
"Gosto de criar minhas histórias lá" sorriu enquanto brincava com uma flor.
"Quer que eu carregue seus livros?" perguntei ao notar a dificuldade que ela tinha para pegar as flores.
"Não precisa" já disse como ela é teimosa?
"Por favor, Anne, assim você poderá colher as flores com mais facilidade" ela revirou os olhos e me entregou os livros, sorri "Mais fácil, não?"

Anne ia na frente andando e gargalhando - isso quando não ficava girando com as mãos para o alto, se divertindo como nunca -, suas mãos seguravam várias flores. Seus cabelos estavam com várias mechas soltas, mechas que dançavam sempre que ela rodava.

Ela pareceu lembrar da minha presença pois murmurou um 'me desculpe' enquanto corava.

"Pelo o que?" perguntei fingindo não ter passado o caminho inteiro a observando e tentando gravar cada mínimo detalhe dela.
"Por ficar agindo como uma louca descontrolada. Estou acostumada a ir sozinha então acabei esquecendo que você estava aqui"
"Como pôde esquecer minha presença?" fingi estar ofendido.
"Não é a coisa mais difícil do mundo, Blythe" respondeu.
"Isso quer dizer que você esqueceu da minha existência durante os três anos que estive fora? Nem um pensamento?" provoquei, ela ficou quieta por alguns instantes.
"O que te faz pensar que eu perderia o meu precioso tempo pensando em você, Gilbert Blythe?" confesso que senti falta desse seu jeitinho.
"Eu sei que você pensa em mim" sorri "Você pensou em mim depois daquele selinho" me aproximei "Você pensou em mim quando estávamos prestes a nos beijar na frente da classe inteira" me aproximei mais "E você pensará em mim após me dar o que me deve" fiquei a centímetros de distância dela.
"Eu não lhe devo nada, Blythe"
"Eu acho que você me deve aquele beijo, o beijo que você não me deu quando a garrafa parou em nós" segurei seu rosto e a beijei.

Esse beijo foi diferente do outro, foi um beijo de verdade, não um selinho.

Minhas mãos estava em seu rosto e as dela na minha nuca. Um choque' percorria pelo meu corpo, junto a uma sensação de leveza e felicidade. Tínhamos um ritmo próprio, nossas bocas se entendiam. E, em um único beijo, até as coisas erradas pareciam certas.

Back to Avonlea • ShirbertWhere stories live. Discover now