Capítulo 49 - O Pai e a paz

1.4K 231 108
                                    

Christopher
(Participação especial)

Encostei minhas costas na poltrona, pensativo. Memórias e mais memórias me perseguiam naquele instante. Benjamin desmaiando nos meus braços, Guilherme me confrontando, Rebeca dizendo "misteriosos são os caminhos de Deus" àquele dia assim como Ângela antes de termos nos divorciado, as palavras de Eli soando como um tapa ao ferir meu ego...

Ah... Eu e meu ego... Eu meu maldito ego...

Não era nada gostoso ou aprazível de admitir, mas sabia que estaria me conformando com uma mentira se não admitisse que boa parte dos problemas que havia tido na vida eram culpa do ego.

Fitei as paredes e prateleiras ao meu redor. Livros, livros e mais livros de filosofia... Mais de oito anos de estudo... Tudo pra tentar provar algo que sabia que jamais poderia, mesmo que desejasse muito.

Era tão incômodo não saber... Era tão incômodo aceitar a realidade... A realidade de que os mitos sempre haviam existido durante a história, sido usados como forma de dominação da população e que tudo não parecia ser nada além de... como o grande Dawkins havia dito, delírio... Deus, um dos maiores — se não o maior — delírio humano, porém...

Porém ainda havia aqueles miseráveis, como Eli tinha ressaltado, 20%...

A Filosofia, minha amada Filosofia, mãe de todas as ciências, assim como suas filhas, nunca tinha sido e talvez nunca fosse capaz de "provar" a não existência de Deus.

Até era possível, em quase todos os casos, achar uma boa explicação para a vida, o mundo e as coisas que não incluísse fantasias delirantes sobre um ser superior além do tempo e espaço, mas... sempre havia algumas pedrinhas no sapato pra atrapalhar toda maratona que nós intelectuais tentávamos correr sem Deus.

Fosse apenas na Filosofia, com a problemática do tal "sentido" da vida, o vazio existencial, entre outros paradoxos, ou outras ciências como a Biologia ao tentar achar uma explicação sólida o bastante para explicar como havia ocorrido a modificação do código genético na evolução, a verdade parecia ser que na realidade sempre haveria "pedrinhas" no sapato.

Sempre haveria uma boa dose de informações científicas que contestariam e deixariam todas aquelas mitologias no chinelo, mas também aquela pequena e incômoda parcela de ideias e situações que, apesar de não serem o bastante pra "provarem" algo sobre Deus, sempre deixariam espaço para o questionamento interior de "e se...".

Às vezes me sentia como Descartes constatando que talvez existisse um gênio maligno que "brincava" de confundir e enganar os seres humanos, controlando seus pensamentos. Deus soava assim pra mim: um gênio maligno que adorava nos ver perdidos, sem saber se existia mesmo algo além do que podíamos ver...

Mas a verdade era que, no íntimo, por mais que me agarrasse aos livros, à ciência e racionalmente concordasse que a chance de Deus existir parecia quase ridícula, eu sentia, mesmo que bem pouquinho, sua existência.

Nos primeiros anos da faculdade, movido pela raiva, foi muito fácil "não o sentir", mas, depois que a poeira foi abaixando, o sentimento também foi voltando a aparecer. Arrisco dizer que talvez nunca tenha de fato sumido.

Sim, lá fundo, eu sentia e sabia que o todo-poderoso existia, seja lá como ele realmente fosse. O porém era que simplesmente não conseguia conceber o fato de Deus ter simplesmente permitido a morte do Ben. Havia confiado cegamente no ser que, mesmo tendo poder, decidiu não fazer nada quando viu meu filho, uma criança que tinha machucado os joelhos de tanto orar e tido fé como ninguém de que seria curada, morrer com toda a família em volta chorando.

A partir daquele dia, a morte do Ben foi a morte do bem em Deus para mim. Passei a me conformar com o hábito de negar sua existência. Achava que assim escaparia desse terrível delírio humano. Mas a verdade era que estava pateticamente errado...

Um Novo Coração [COMPLETO]Where stories live. Discover now