Prólogo

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Londres, 1940.

O barulho de seus passos apressados ecoavam por todo os cômodos da pequena residência de madeira. A pequena garota corria com frascos cheios de láudano. Seus cabelos loiros balançavam na medida em que apertava o passo.

— Arabella! — gritou o pai da garota. — Traga logo esse láudano, o paciente está com dor!

— Já estou aqui, papai — disse parada na batente da porta. Ofegante. Abriu o frasco do medicamento e entregou nas mãos do médico a sua frente.

— Demorou, o que estava fazendo? — disse o homem sério, sem tirar seus olhos do que fazia.

— Não tínhamos mais láudano — disse ela. — estava procurando o para emergência. Precisamos de mais — ajeitou seus cabelos rebeldes e bagunçados em um rabo de cavalo desleixado, colocou uma máscara de tecido no rosto e se virou para o paciente. — estado clínico?

— Dores. Suspeito que seja apêndice, teremos que operar — o homem suspirou e logo um sorriso se formou em seu rosto. — Não acho que ele vá sobreviver, Arabella.

— O que vai querer dessa vez? — perguntou desanimada quando viu o paciente apagar. — Um rato? Cachorro? Soube que a vizinha perdeu um gato.

— O que tem no estoque, Ara? — o homem colocou suas luvas e ajeitou a máscara em seu rosto.

— Não sei — a garota disse sem muito ânimo. — Não me lembro de ter jogado os restos do Puppy fora.

Arabella sentiu seu coração apertado quando passou o bisturi para seu pai, como ele havia lhe pedido. Tornou a observar o paciente e prestar atenção em seus traços: um homem de meia idade, cabelos negros, ralos e grisalhos nas laterais. Não era magro, mas também estava longe de ser gordo; a expressão serena em seu rosto não mascarava as rugas e só servia para piorar sua atual situação.

— O quê houve contigo, filha? — perguntou enquanto fazia o primeiro corte.

— Não sei — abaixou a cabeça. — promete que não irá deixá-lo morrer de propósito?

— Não somos assassinos, Arabella! — o homem bradou alto. — Farei o possível para salvar este homem e, caso não consiga, você o fará. Estamos entendidos?

— Sim, papai...

A cirurgia foi iniciada. Não estavam em um hospital, nem em um ambiente apropriado para tais procedimentos, mas para aquela cidadezinha excluída no interior norte de Londres era o que bastava. O homem foi aberto de ponta a ponta, apêndice retirado e hemorragia interrompida. Fora costurado e enchido de suturas, mas não havia resistido, morreu tempo depois da operação ter sido finalizada.

Arabella estava sentada no mezanino, observando o corpo morto do homem na mesa do consultório de seu pai. Sua expressão era de total tristeza e desânimo; seus olhos verdes acinzentados não tinham mais o brilho que outrora chegaram a ter, mas se sentia agradecida por seus pais a entenderem e permitirem seus experimentos.

Estimularem e me extorquirem. Corrigiu seus pensamentos. Tinha sorte por não sofrer devido sua peculiaridade. Se criar animais pode realmente ser chamado de "peculiaridade" então temos um quesito interessante. Voltou a pensar enquanto apoiava a cabeça em suas próprias mãos e sentia o nó em seu estômago com os gritos sôfregos da perda de um ente querido, que vinham do quarto ao lado.

"Podemos trazê-lo de volta, madame. É um procedimento muito caro e complicado, existe muitos riscos, mas pode funcionar." Quis se enterrar quando ouviu as palavras de seu pai no quarto ao lado. Era fato: poderiam trazer o homem de volta, ela podia na verdade, mas não era a mesma coisa.

Vênus - Enoch O'ConnorWhere stories live. Discover now