Revelações e Preparativos para a festa

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O almoço como sempre foi regado à um belo vinho tinto, carne de cordeiro, arroz, vegetais, macarrão, feijão vermelho, e as iguarias de nosso povo. Frutas variadas como damasco e tâmaras não passaram despercebidas. Amo essas frutas, olho para minha mãe que apenas pisca para mim. De sobremesa torta de pêssego. A mesa estava farta como sempre, somos do tipo " melhor sobrar do que faltar ". A comida que tem à mais, fazemos marmitas e doamos na praça aos necessitados. Minha família sabe bem o que é não ter o que comer, meus avôs passaram por poucas antes de estarmos onde chegamos. Então sim, aprendemos de pequenos a não desperdiçar nada, e aquilo que tem em abundância e não comemos, é doado pessoalmente por nossa família.

Após o almoço me encaminho, até o escritório de meu pai. Entre um café e uma conversa em família, passamos aos relatórios principais da viagem. Todo o relatório será feito na empresa, no entanto não conseguimos não falar nos negócios. Logo surge minha avó na porta do escritório, ela me recruta até a sua varanda particular, e eu a sigo piamente.

Ela se acomoda atrás de sua mesa, a brisa está fresca aqui. Suas flores estão como sempre lindas e perfumadas, o jasmim sempre será o aroma de flor que mais gosto. Inspiro e expiro suavemente, sabendo que ela tem seus olhos de águia em mim. Sei que quer falar algo. Não irei dizer nada sobre a minha visão, e que se confirmou a mesma nas cartas e na borra do café. Deixarei que ela diga, sua sabedoria me instiga.
Ela me olha atenciosamente, está me estudando. Típico da Dona Esmeralda. Então ela pega suas coisas na maleta ao lado e vai arrumando a mesa, não ajudo e nem poderia, é algo que somente ela pode arrumar. Toda cigana arruma sua própria mesa e seu próprio jogo, então me resta observar e aguardar. Tudo o que sei aprendi com ela e com minha mãe, que por mais que tenha nascido na Espanha foi criada no Brasil ( lugar  que ela ama de paixão, quando casou teve de seguir com o marido, no caso meu pai ).

Observo vovó esticar sua tolha azul turquesa, colocar seus cristais sob a mesa, acender o incenso de lavanda, ela tira seu jogo de cartas da maleta e as coloca na mesa. Algo me chama a atenção, dois cálices de licor e o próprio licor de cereja, e ao lado uma jarra de água bem gelada e mais duas taças de cristais, esses últimos itens estão na mesinha ao lado. Ela me serve o licor, se serve mais não bebe nada. Neste momento minha mãe entra, e se senta em silêncio na lateral, mais precisamente no banco da varanda. E  já sei que ela veio somente para saber o que tanto minha avó viu, se é que ela mesma também não viu algo. Estreito os olhos em sua direção e como sempre nesses casos, minha mãe se torna indecifrável.

Vovó  me observa em silêncio, então começa a embaralhar suas cartas, as corta, embaralha novamente, então as deposita na mesa em formato de meia lua. Me olha nos olhos, e sei que ela desconfia de mim. Mais nada fala, ela retira quatro cartas uma abaixo, outra à esquerda , à direita e uma acima e por fim a quinta no meio de todas, ela as olha e nada me diz, somente levanta a sobrancelha e sorri. Vovó Esmeralda as recolhe e embaralha novamente, na sequência me passa as cartas para que eu as embaralhe e as corte. Faço todo o processo e dou as cartas em suas mãos, que habilidosas estendem com rapidez novamente em formato de meia lua. Ela as retira novamente e agora vejo um sorriso brotar em seus lábios. Se estou tensa? Claro que estou, sabe lá o que ela viu nas cartas. Já sei que vai dizer " as cartas não mentem " , e de fato não mentem mesmo. Então fico no silêncio sepulcral que se instalou.

- As cartas me mostraram o seu enlace Zaíra. O homem que finalmente irá prender seu coração. Um verdadeiro domador de feras, sim vejo animais com ele, ele os amança. Muito bonito seu pretendente. Oh pretendente não, seu destinado!
Ele sabe que tem uma fera para domar em seu caminho. Sabe também que não pode fugir do destino.

- Abuela….- tento falar, mais ela é rápida.

- Não terminei querida - diz vovó

- Você sabe que as cartas de tarôt não mentem. Eu o vejo claramente. Já havia um bom tempo que não o via. Quando pequenos vocês foram prometidos um ao outro, antes mesmo de seu nascimento. Os astros já previam tudo, e nos avisaram que nossa pequena Zaíra, não seria fácil de lidar. Pois ela seria cheia de ideais, e enquanto não encontrasse seu lugar junto aos homens da família e do clã, seu destinado não iria lhe aparecer.

- Não vou me casar assim…

- Calma criança. Seu enlace também tinha sua missão, ele é estudado fora dos nossos costumes como você foi. Faculdade é isso, ele também foi além, pois precisava evoluir e se preparar para o seu destino. Ele sabe de você, só não sabe seu nome ou  a família. Lhe foi dito o mesmo que lhe disse quando ainda era uma menina. " Será um reconhecimento no olhar, vocês saberão quem é quem. É o reconhecimento da alma Zaíra, não há como fugir ".

- Chega vovó. Eu já disse que meu destino sou eu quem faço - digo cansada dessa história, porém sei que ela não mente. Não poderei fugir para sempre, até mesma eu o vi. De costas mais o vi e não posso negar a mim mesma isso. Mais posso decidir se caso ou não.

- Toma minha filha, beba um pouco de água. Vejo que está alterada - ela coloca água na taça de cristal e me oferece, aceito de bom grado e quando vou dar minha primeira golada, meus olhos fixam na água.

Vejo na água os seus olhos castanhos, seu cabelo negro jogado para trás. Ele veste uma roupa de festa, um típico cigano. Seu olhar me prende ali mesmo na taça, no entanto não vi seu rosto. Tudo se embaralha e o vejo de costas montado em um lindo corcel negro, de blusa pólo e calças de montaria, não consigo ver seu rosto e isso me deixa frustrada. Então já sei que devo ficar frente à frente com ele em breve, e será em uma festa cigana. A taça caí da minha mão e se despedaça em vários pedacinhos. Fico ali imóvel, enquanto mamãe e vovó correm para olhar o que está no cristal. Sei que elas irão ver o que vi, olho para trás e vejo toda a família reunida ali. Talvez o barulho do cristal tenha chamado a atenção ou teria sido eu mesma? Acho que falei alto com minha avó.

- Abuela me perdoe por falar alto com a senhora - digo à ela, que me olha com doçura.

- Não há o que perdoar minha filha.

- Não deveria ter escondido da sua velha avó, que teve uma visão - me repreende

- Vozinha, é que aconteceu muito rápido. E não foi apenas uma visão, também olhei na borra do café, e nas cartas e agora a taça com água. Todas me mostraram basicamente o mesmo. Um homem de cabelos negros, olhos castanhos e que está montado em um cavalo negro. Vó eu não sei quem é ele. Não irei me casar com um estranho, não mesmo. E tenho muito a fazer, tem a empresa, as lojas e viagens. Não tenho tempo para nada disso, está decidido.

- Pequena, não minta para si própria. Você sabe que o momento irá chegar e está bem próximo. Não tem como fugir, e pelo que vi ele é um cigano com a mente aberta. Tenho certeza que conseguirá conciliar o trabalho com a vida amorosa. Sua vida irá mudar de ponta à cabeça quando menos esperar. Não conseguirão ficar longe um do outro - ela diz calmamente.

- Agora vamos ver as roupas que chegaram para o festejo de Santa Sara. Vi lindos vestidos feitos para você. Vai dançar flamenco, dança cigana e árabe filha? Está com saudades da dança não é - foi uma afirmativa, pois amo dançar e sim irei dançar todas as danças citadas por ela. E vovó estrategicamente muda de assunto.

Zaíra " Meu destino sou eu quem faço " (CONCLUÍDA ✔ )Where stories live. Discover now