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Ele estava sentado num banco ao lado da janela do último vagão...e olhava a paisagem como se não houvesse amanhã.

Sentia que aquela seria a última chance ou a última vez em que poderia ou tentaria conversar com Anna. Não sabia exatamente o que e como falar, mas seguia frio para o destino que lhe aguardava. Fazia uma semana que não tirava esse dia da mente.

Nas mãos levaria o livro e o caderno de notas, para o caso de querer consultar algo ou anotar algo; nesses momentos sua mente poderia querer lhe pregar uma peça e, portanto, ter os materiais de seu trabalho à mão seria algo útil.

Não tinha mais palavras a dizer, mas sabia que queria falar algo para Anna. Pensou e repensou, mexendo no âmago das suas cicatrizes desse relacionamento que se estendia por dois anos; doía, cansava, entristecia, mas era o que poderia e deveria arrancar de vez do peito. O que falar?

O trem anunciava a chegada a Lilac, cidade no sul do país, daquele país no qual havia vivido por 50 anos tranquilamente, até que há dois anos ela lhe havia empurrado para um universo paralelo: num lugar que não conhecia e com uma pessoa que desconhecia. Quem era ele sem ela; quem era ela com ele?

Começou a temblar, pensando que estaria febril por conta da noite mal dormida, mas seu ser sabia que esse estado físico era resultado da alma agitada. Parou, respirou fundo, sacou a mala do bagageiro superior da ala onde estava e se colocou a andar sem pensar.

Saiu em meio às pessoas que se debatiam na estação; sem se sentir e sem perceber, adentrou um táxi e partiu rumo ao destino fatal: o apartamento onde vivenciaram a dor, a alegria, o cansaço, a paixão, as tristezas, o amor, a paz, o prazer e o ódio entre si, mas que, certamente, era o espaço dos dois, de suas cumplicidades e de seu desassossego.

Meia hora o separaram da chegada e da possível partida necessária, caso esse fosse o resultado da conversa; se é que haveria conversa. Pagou a corrida, colocou-se de pé frente ao edifício de 3 andares e suspirou.

Passou na cafeteria no térreo, sorveu um café au latte, como era de seu gosto (do dela) e encarou a longa jornada de 6 lances de escadas e cerca de um minuto. Depositou a mala levemente no chão, sobre o tapete de entrada que haviam comprado há umas duas semanas e titubeou: tocar a campainha ou meter a chave na fechadura, como fazia há meses? Melhor avisar que chegou.

Dois toques, como era o combinado (o código de ambos) e, cinquenta longos segundos, Anna abriu a porta: estava de vestido amarelo, a cor que melhor lhe caía, e os cabelos presos num rabo de cavalo, bem no alto da cabeça lhe davam um ar jovial, para aquém dos seus 46 anos futuros anos a completar daqui 3 semanas.

Enrubescido pediu para entrar, ao que Anna se desviou e lhe permitiu passar arrastando sua sombra e sua mala logo atrás. O som do fechar da porta lhe iniciou o processo de dor de cabeça que já lhe acompanhava há alguns dias; isso lhe deixaria meio confuso para a conversa, mas, ao mesmo tempo, lhe eliminaria qualquer possibilidade de alegação de que estaria em seu juízo perfeito, caso tomasse alguma atitude brusca ou soltasse alguma palavra despropositada.

Anna foi-lhe buscar um copo d'água e, enquanto isso, ele ficou ali, parado, olhando pela janela e revendo a paisagem da montanha ao longe, com verdes gramados na parte frontal e extensões de plantações nas partes laterais: uma cidade pequena, bucólica, de pequenas exigências de vida, que não cobra sua presença, apenas sua percepção pela alma.

(Continua...)

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Enjoy!

Leon. 

Conto depois da contaWhere stories live. Discover now