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- Desde o incidente, passei a ficar com muitos problemas ao dormir - disse terminando de comer o último pedaço do pão, acompanhado pelo gole do chá.

Eu acho que sei de que incidente você está falando.

- Deve saber, você não armazena lá em seu interior as lembranças que nem eu consigo encontrar?

Afinal, de qual incidente você fala?

- Daquele, lá naquela casa de praia, lembra-se. Essa memória deve estar perdida aí em algum lugar.

Sim. Eu me lembro. Eu vi seus últimos momentos antes de tudo ficar completamente escuro. Até eu mesmo tenho uma lembrança estranha disso.  Depois de um tempo em que o mundo ficou mergulhado no preto, no sombrio, vi uma luz, e havia a mão de alguém segurando a luz, e então, tudo voltou para o preto novamente.

- Eu só tenho alguns flashes de lembrança desse acontecimento.

Foi aí que ele morreu?

- Não, mas foi aí que comecei a ter uma visão quase totalmente niilista da vida. Mas, isso me fez enxergar de uma forma diferente. Meus pensamentos niilistas me colocaram cara a cara com minhas responsabilidades e liberdade de forma bruta.

No final, Gianni Vattimo estava certo... Quando você é um niilista, você não consegue ver nada controlando as sua liberdade e responsabilidade.

- Ele estava certo sim, mas não ver um sentido nas coisas tem seus lados pesarosos e você sabe.

Então você está começando a entender.

- Eu só dormi, e de uma forma ou outra, parei na cozinha. Refleti um pouco, e percebi que não havia nenhum propósito por eu estar ali. Algo que era realmente inútil, mas no niilismo, absolutamente tudo me dá essa sensação de falta de propósito ou destino, tudo como um simples e tosco ato de estar em pé no meio da cozinha de pijama na madrugada.

Eu entendo isso. E você está me entendendo. Eu sei o que estava na sua cabeça quando você estava lá em pé...

- E no que estava passando na minha cabeça?

Por que você mesmo não me diz?

E o homem estava lá... Deitado em sua cama, estava agonizado mas não conseguia abrir os olhos para acordar... E num piscar de olhos, se levantou desesperado e correu casa a fora, descendo a escada correndo e só parando na cozinha, que foi a hora em que ele raciocinou, e parou para pensar no que estava fazendo ali.

- Amor... - disse sua esposa quando o viu em pé ali.

- Ah, querida, você me assustou!

Fique calmo!

- Calmo? Com o que?

Você não é louco. Você apenas estava tendo um sonho ruim! Isso não é loucura.

- Eu não sei se eu te agradeço, ou fico quieto.

O silêncio já é o bastante.

E o seu chá acabou, e se levantou para pegar mais.

Monólogos Desinteressantes De Um Homem SérioDonde viven las historias. Descúbrelo ahora