II

170 5 0
                                    

Refeitório, prédio 155, estação de McMurdo Sound, 7h30min da manhã do dia 22 de junho de 2021.

Durante o verão, o refeitório de McMurdo serve mais de mil pessoas por refeição, mas, no inverno, a estação conta com pouco mais de uma centena de pessoas, a maioria delas trabalhando em sua manutenção até a próxima temporada. Por isso, apenas uma parte do salão ficava iluminado nesta época, dando ao local um ar de restaurante fechado e decadente. Até o volume das conversas ficava mais baixo, como se o refeitório fosse uma espécie de templo sagrado.

Às vezes Victor gostava deste clima introspectivo em seu café da manhã, mas hoje ele se sentia bem sociável. Carregando sua bandeja, ele avistou Gregory sozinho, sorvendo ruidosamente uma caixinha de suco de laranja. Gregory, que usava óculos grossos, demorou algum tempo para perceber que seu amigo se aproximava.

– Bom dia Greg – disse Vic.

– Salaam Aleikum! – respondeu Greg sério, em árabe.

– Pra tua mãe também – zombou Vic.

– Infiel. Descrente – comentou Greg, sarcasticamente, entre sorvidas no suco.

Victor riu. Greg serviu no Afeganistão e, além de falar árabe, era um linguista de formação. Era também mais jovem, com trinta e cinco anos. Porém, não era muçulmano e na verdade não parecia praticar nenhum tipo de fé.

– Sabe que hoje, depois do expediente, eu pretendia abrir aquele Bourbon da Luisiana – provocou Vic.

– O que? Então já larguei Alá! Será que eu consigo fazer o padre me batizar antes da noite? – brincou Greg, em tom teatral.

– Olha, da última vez que eu olhei, ainda era noite – riu-se Vic.

– É, tem algumas semanas até o sol voltar – admitiu Greg – cara, não acontece nada nessa época do ano. Quer apostar como essa semana não vai acontecer nada?

– Entediado? Não tem como você trabalhar um pouco para variar? Meu celular está sem sinal, sem internet. No escritório leva um tempão para acessar qualquer coisa. Até para ler um jornal é difícil – queixou-se Vic.

– E vai continuar assim. Se dependesse da minha vontade, teria um provedor privado aqui, como os argentinos fizeram. O problema é que não dá lucro para eles, porque é muita pouca gente e muito caro de manter toda a estrutura. Tudo que sobra é o link científico e a rede sem fio. A primeira é uma porcaria e a segunda deixou de funcionar. Mas olhe pelo lado positivo, sem internet, você está protegido das "Fake News" – argumentou Greg.

– Fake News é? – zombou Vic.

– Sim, as redes sociais estão transformando as pessoas em zumbis. Veja, a conexão contínua entre as pessoas gera um comportamento de manada – explicava Greg, fazendo movimentos amplos com suas mãos – o ser humano é racional quando está sozinho, ou em um pequeno grupo familiar. Mas, quando em grandes grupos, se comportam de forma irracional.

– Eu já ouvi esta sua teoria furada antes. O que você entende disso? Depois, a psicóloga é a Jen, e não você – caçoou Vic.

Vic se concentrou em comer seu omelete. Os ovos desidratados tinham um sabor químico e insípido, e, para disfarçar aquele gosto, sempre os comia com alguma conserva. Naquele dia ele tinha se servido de pepinos. Gregory, que já tinha terminado sua refeição, ficou alguns minutos pensando em uma ideia para o fim de semana.

– Vic, tive uma ideia! Olha só como é boa a minha ideia – frisou Greg, apontando os dois indicadores para Vic, enquanto fazia mais uma de suas pausas dramáticas – para dar uma variada, a gente podia combinar um acampamento de treinamento.

Ameaça Antártica - Livro I - Terror (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora