UM:

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Se eu pudesse me definir em uma só palavra, ela seria “coragem”.

É claro que nem todos se referiam a mim dessa forma, pois muitos achavam que “loucura”, “insensatez” e “precipitação” combinavam mais com minha personalidade e, de modo algum, eu considerava aquilo uma ofensa, afinal, que graça a vida teria se não fôssemos um pouco ousados?

Ninguém podia me julgar por desejar ser como Cinderela. Eu só queria um final feliz. Não, um final feliz me parecia muito entediante. Eu queria mesmo uma noite mágica ao lado do meu príncipe encantado. E teria tido isso, caso tudo tivesse saído conforme o planejado.

Há tempos, Rodrigo, meu namorado, vinha insistindo e dando sinais de que estava na hora de avançarmos em nosso relacionamento. Ele sempre tentava passar dos limites em nossos encontros às escondidas em seu carro ou em um beco qualquer, mas eu já havia deixado claro que minhas expectativas quanto a perder a virgindade eram bem altas. Culpa daqueles romances nos quais eu era viciada.

Ao mesmo tempo, eu acreditava em minha mãe quando dizia que homens não aguentavam ficar muito tempo sem companhia feminina, por isso, quando Rodrigo ameaçou me deixar caso eu não cedesse, resolvi tomar uma atitude.

Eu havia combinado de assistir a um filme e dormir na casa da Isabella, minha melhor amiga, e essa foi a oportunidade perfeita para tentar fugir e encontrar com Rodrigo. Aproveitei o momento em que ela foi fazer a pipoca e sorrateiramente comecei a me esgueirar em direção à porta da casa.

— Marissol, já estou levando a pipoca… — Isabella gritou indo em direção às escadas, no exato momento em que alcancei o último degrau. — Aonde você vai?

Droga!

Fui tão cuidadosa em sair do quarto e descer quase toda a escada sem fazer barulho, só faltava atravessar o corredor para chegar à porta e ficar livre. Por que eu tinha que ser pega nos últimos passos? Era parte do plano sair sem ser notada. Rodrigo ficaria muito bravo se eu me atrasasse ou, pior, se seu tio, um pastor muito conservador — e pai de Bella — descobrisse o que estávamos aprontando.

— É... — Eu precisava pensar em uma desculpa rápida. — Sei que estávamos combinando essa noite de filmes há tempos, mas minha mãe me ligou, pediu para eu voltar.

— Vai sair no meio do primeiro filme? Nem chegamos à parte em que os missionários são atacados. — Recebi um olhar desconfiado. Bella era muito esperta, por isso eu precisava sair dali o quanto antes. — Por que precisa ir? O que sua mãe quer?

— Ela só me pediu para voltar agora. Desculpe, preciso mesmo ir. — Tentei abrir a porta, mas ela foi mais rápida e, para o meu azar, se colocou à minha frente, bloqueando o caminho. — Bella!

— É mais de meia noite, acha mesmo que vou te deixar voltar para casa sozinha? — Ergueu as sobrancelhas. — Se quer tanto ir, vou chamar meu pai e nós vamos te levar.

— Não! — exclamei e me repreendi por elevar o tom de voz. A situação já estava terrível e pioraria ainda mais se eu acordasse os pais dela. — Sério, não precisa. Meu prédio é tão pertinho daqui.

— Pare de mentir. Bem que desconfiei ter visto o carro do meu tio estacionado ali na frente. O traste do Rodrigo veio te buscar, não é? — Suas bochechas ganharam um rubor de raiva ao identificar a resposta óbvia estampada na minha cara. — Marissol, você me garantiu que tinha terminado com ele. Meu Deus! Quando vai entender que esse namoro não te faz nada bem? E ainda me usou no esquema de vocês para se encontrarem!

Bella sempre se opôs ao meu namoro com Rodrigo. Eu o conheci na festa de dezesseis anos dela e me interessei, afinal, não era todo dia que um gato universitário e solteiro aparecia dando sopa por aí. Fiz de tudo para chamar a atenção dele e, tendo minha beleza a meu favor, não foi muito difícil. Nós trocamos olhares, ele puxou papo comigo, depois trocamos alguns beijos, números de celular e, após algumas semanas, para desgosto de Isabella, assumimos nosso namoro. Naquele dia, estávamos prontos para dar o próximo passo, mas antes eu precisaria driblar minha amiga.

Do Deserto ao Jardim- DEGUSTAÇÃO Onde as histórias ganham vida. Descobre agora