One

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    O despertar no solo árido fez Set ter vontade de correr para a porta dos céus clamando por uma brisa fresca. O deserto quente e morto não lhe afetava fisicamente, mas a sensação tenebrosa do calor lhe incomodava. Após andar por quilômetros e mais quilômetros encontrou algo que parecia ser o inicio de uma civilização. Set conhecia pouco do mapa geográfico da Terra, e também muito pouco de cada povo que se espalhava por ela. Um homem puxava pelo cabresto um animal de carga que se arrastava lentamente, correu de encontro ao homem que ficou confuso ao não entender o que o outro falava. Os homens conheciam muitos idiomas e dialetos, mas não a língua dos anjos. Comunicando-se por meios de sinais, conseguiram se entender. O nativo vendo que aquele rapaz claramente não era daquela região lhe ofereceu abrigo.

    Caminharam em silencio por uma hora até chegar na beira do vilarejo. Diferente dos luxuosos palácios celestiais, as casas eram tendas montadas umas aos lados das outras. Alguns possuíam residência de uma quase alvenaria, uma mistura de madeira e barro puro. Após passar por olhares desconfiados, o homem apontou onde vivia e o fez sinal para entrar. Era uma casa simples, metade de barro e metade feita de couro de animal. Uma mulher mexia agachada um tacho de barro fundido com uma criança a tira colo, no momento em que levantou e avistou Set exaltou-se falando alto. Seu marido vinha logo atrás, estava amarrando o animal e descarregando o que havia em seu lombo.

    Eles conversaram por alguns minutos, ele falava e gesticulava apontando para Set, como se a alertasse que não havia nenhum perigo naquele desconhecido. Uma criança se aproximou de Set, apalpou suas vestimentas e as cheirou. Quando seus olhos encontraram com os de Set ele se deparou com o azul marítimo que parecia carregar uma tempestade. Puxando-lhe pelas roupas ele conseguiu com que Set se abaixasse, a criança então segurou seu rosto com as duas mãos e o encarava como se tivesse encontrado algo de extremo valor. Em meio a conversa, a mulher viu a criança e correu para colocá-la embaixo de sua proteção. Set entendia a confusão daquela família. Suas vestimentas eram estranhas, não falava a língua local e sua pele era claro como o pálido luar, diferente do tom bege arenoso daquele povo.

    O homem apontava para si mesmo e repetia a mesma palavra, Halula, e apontava para o peito de Set. Após algumas vezes ele entendeu que o homem tentava lhe ensinar seu nome, Set então apontou para si, disse seu nome, apontou para o homem e falou Halula. Halula apontou para a esposa, Damia, e Set repetiu cada nome que o homem ensinava. A criança mais velha que havia se encantado com Set se chamava Coria. Coria parecia ter seis ou sete anos, um pouco miúdo para crianças de sua idade, mas seus olhos curiosos mostravam que seu espirito era maior do que o corpo.

    Halula entregou a Set uma túnica e um par de sandálias de couro, mostrou onde era o poço e lhe entregou um balde para que se banhasse. Depois que o homem se distanciou, Set tirou as roupas ficando nu ao luar. Sua marca arcana ainda ardia. Quando um celestial é banido dos céus, sua marca é queimada para que assim nunca consiga mais voltar. Ao tocar o símbolo lembrou da queda no breu que parecia nunca ter fim, do seu peito que parecia estar sendo estraçalhado em milhares de partes. Ele como um celestial desconhecia a dor, e acabou sentindo da pior forma. Set encarou o céu escuro e sentiu saudade de casa, saudade de Lúcifer. Enquanto passava a bucha artesanal no corpo para limpar-se da poeira, pensou em seus irmãos e todos aqueles que eram de seu convívio. Coria quebrou o silencio da noite o abanando da porta dos fundos, fazia sinais para que voltasse para dentro. Set vestiu-se e retornou para a casa.

    Damia havia feito um ensopado de legumes com carne de alpaca. O caldo encorpado exalava iguarias as quais nunca havia experimentado. Todos sentaram a mesa que quase tocava o chão enquanto Damia distribuía o alimento em tigelas feitas de barro polido. Halula virou as palmas das mãos fazendo alguma prece enquanto todos estavam de olhos fechados. Set estava prestes a se levantar quando sentiu que Coria lhe segurava pela túnica, fazendo sinal de negativo com a cabeça. Quando o restante da família abriu os olhos, Set e Coria se olhavam como se ambos fossem contra a mesma ação. Durante toda refeição, o celestial se questionava, a que Deus louvavam? Seria o mesmo Deus que preferiu dormir e deixar o comando dos céus e da terra na mão de um psicopata lunático? Ele ainda não entendia o que havia acontecido e o que estava para acontecer, mas de uma coisa ele tinha absoluta certeza: Lúcifer voltaria aos céus, e Miguel seria punido por toda eternidade.

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