PRÓLOGO

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   Os humanos adoram Deuses e se odeiam entre si. Olham para o céu e esperam uma salvação, ajuda e perdão. Se encontram tão longe e tão perto, divididos e afastados por uma tênue linha invisível, como se de um frágil véu se tratasse. Mas nem sempre foi assim. Esse véu já foi quebrado muitas e muitas vezes, rompido por completo por aquele que o formou um dia. Os Deuses já andaram entre nós, humanos e frágeis, corpos de carne e osso. Quebradiços e fracos, irmãos de igual valor. Porém, foram raras as vezes em que vieram ao seu reino imundo e maldoso apenas para o ver crescer. Muitas foram as ocasiões em que uma das suas sementes foi plantada, deixada para florescer sozinha no ventre de uma mortal. Dizem os mais antigos e sábios, que as razões que levam os Deuses a descer do seu púlpito divino, são sempre uma das seguintes: sede por vingança ou amor. O amor dos mortais, que eles tanto desejam.

   Rezam as lendas mais antigas, contadas de boca em boca desde o início dos tempos, que Walon o grande Deus, se havia apaixonado por uma mortal. O seu nome era Candida. Uma das suas mais belas criações. Ela caminhava a terra e ele observava os seus passos atentamente, encantado com a sua beleza e fragilidade. Fascinado com a maneira como cantava as suas frustrações, com a sua compaixão e bondade. Em nada se comparava com uma Deusa, era humilde e sensata. Não emanava a mesma luz que uma, pois a sua era límpida e pura, não negra e carregada. Levava a vida da maneira que queria, sem se aperceber por um segundo da maldade e escuridão que a rodeava. O Deus do sol havia se apaixonado pela primeira vez. Walon decidiu então caminhar o mundo que havia criado pela primeira vez, disfarçado da sua própria obra, um corpo humano e impuro. Um homem criado à sua imagem. Foram vários os encontros que desfrutou com Candida, fazendo a jovem se apaixonar perdidamente pelo misterioso jovem que conhecera junto do rio. Foram treze os encontros com a sua apaixonada, e no décimo terceiro dia um novo fogo ardeu entre eles. Chama essa que mais tarde viria a brotar no ventre da mortal, que carregava o primeiro herdeiro do trono supremo.

   Contudo, o grande Deus já se encontrava comprometido com Ifera, a bela Deusa da Lua. E por mais que fosse a mais bela e poderosa das Deusas, Walon não conseguia a amar como desejava, pois o seu coração já havia sido roubado por Candida. Porém, essa paixão estava condenada ao fracasso. E por mais que o poderoso Deus o soubesse, não conseguia deixar de pensar em como seria se este fosse possível, se haveria uma maneira de o alcançar. Há certas coisas que nem os Deuses conseguem controlar. A atração entre Imortais e Mortais sempre foi demasiado forte. Os humanos desejam o poder das divindades, e os Deuses desejam o seu amor. Exemplo disso, era o fruto provindo da semente do Deus que crescia todos os dias na terra.

   Ifera, se aproveitando dos seus poderes divinos, descobriu tudo o que estava acontecendo pelas suas costas. Ela estava furiosa, sedenta de sangue. Conta a lenda que a Lua, seu mais valioso pertence, não havia abrilhantado o céu naquela noite. Foi a noite mais escura e sombria de todos os tempos, a terra estava embrenhada na total escuridão. E foi pela calada da noite que Ifera desceu à mesma, tomando a sua forma mortal, de beleza e encanto já tão conhecidos e investidos em si. Encontrou Candida, a grávida que sonhava na sua cama de feno e pobre casa no bosque, e ceifou a sua vida de modo cruel e impiedoso. A semente de Walon estava morta. O grande amor da sua vida não existia mais.

   O grande Deus sol, ao descobrir o que a sua prometida havia feito, ficou destroçado. Dizem que o sol não subiu aos céus por largos meses, tornando o mundo numa pequena bola de obscuridade perdida no espaço. Toda a vida que existia dentro de si se apagou com um simples sopro. Andava perdido pela terra de novo, tentando encontrar o que havia restado da sua amada, da sua mais perfeita criação. Tempestades foram formadas, o caos tomou conta da terra. Walon encontrou a sua pequena e modesta cabana na floresta, e a envolveu uma última vez em seus braços. Sentiu a sua pele macia uma última vez, agora fria e dura. Mas a sua beleza estava imaculada. A dor que sentia era muito mais que algo divino, era o sentimento mais próximo de humano que alguma vez havia sentido.

   O seu pequeno rebento ali se encontrava sem vida, mesmo antes de ter a oportunidade de a viver. Alguns dizem que o grande Deus a colocou numa redoma de vidro, que enfeitiçou com o resto de amor que restava em seu coração, a conservando para toda a eternidade. Para sempre bela, a sua Candida. A sua fraqueza e parte mortal. Pois, e mesmo que ele fosse imortal, uma parte dele havia morrido naquela noite. Ele estava saboreando o veneno da sua própria criação. Morte e amor, as duas obras mais poderosas e penosas que o mundo mortal já viu.

   O dia seguinte conheceu o amanhecer mais penoso que a terra já havia presenciado, era como se toda a felicidade do mundo tivesse morrido com Candida. E de repente, tão rápido quanto as estações do ano mudam, Walon sentiu uma ira imensa se apoderando de seu coração, substituindo em parte a sua dor. Ascendeu para o seu reino superior e procurou Ifera por todo o lado, planejando a sua destruição. Ela era uma criação dele, assim como todos os outros, e era o seu direito tirar o que havia dado. Todavia, não a conseguiu encontrar em lugar algum. Ifera tinha fugido, escondida em lugar incerto. Receosa da fúria do Deus.

   O Deus sol a procurou por centenas de anos, mas nunca a conseguiu encontrar. Alguns dizem que ela vivia agora uma vida humana e comum, tentando encontrar o tipo de amor que nunca recebeu de Walon. Invejando o que uma simples e mera humana já falecida havia tido, e que o seu coração nunca havia recebido. Outros dizem que ela apenas se evaporou, levada pela ira do próprio Deus, se desfazendo em pó. Polvilhando a terra com fragmentos de ódio, que penetrou os corações dos mortais e lhes mostrou um sentimento mais forte que o amor.

   Foram tempos difíceis aqueles, ninguém ficou indiferente a Candida. Uma mera mortal. Uma mera alma. Duas almas perdidas em uma só noite. Três almas, para ser mais precisa. O mundo não havia perdido apenas uma das suas filhas, tinha perdido a mais desejada. A mais amada. Candida havia mudado o mundo para todo o sempre. Havia mudado o grande Deus para todo o sempre. Deus esse que prometeu a si mesmo encontrar Ifera e vingar a morte do seu amor.

   E a história estava prestes a se repetir...

MORTAL DESTINYWhere stories live. Discover now