capítulo único

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Aquele dia não estava particularmente quente, mas Shouto nunca havia se sentido tão aquecido.

Havia começado com pesadelos e a sensação que a falta de familiaridade trazia rasgando seu peito e arranhando sua garganta. Tudo sempre parecia ser assim quando Shouto parava para pensar; apenas era menos frequente quando ele tinha seu foco em questões menos urgentes. Pensar em manter suas notas estáveis na escola era algo confortável, pois ele não precisava lidar com seus próprios pensamentos dolorosos enquanto mantinha o foco em algo menos fatal.

Desde que eles haviam se mudado para os dormitórios, Shouto não esteve tendo suas melhores noites de sono. Seu andar era normal, seus vizinhos de quarto mantinham um silêncio suficiente para que ele desconsidere a ideia de que talvez sua falta de sono tenha uma culpa externa. O máximo de barulho que ele já ouviu fora de seu quarto após o toque de recolher havia sido Kaminari e Kirishima convencendo Sero a passar a noite no quarto de Bakugou com eles naquela noite.

Naquele dia, Shouto agradeceu por não ter Bakugou como seu vizinho, pois ele conseguia imaginar como ele deveria ter reagido com os três aparecendo em seu quarto daquele modo.

Não havia levado muito para Shouto perceber que talvez tenha sido a mudança repentina de ambiente. Ele havia dormido em sua própria casa desde que se entendia por gente, nunca passando a noite na casa de um amigo porque ele não tinha nenhum, e nem com familiares porque seu pai jamais o deixaria sair de sua vista. Talvez, por ser a primeira vez que Shouto dormia em um lugar estranho, seu corpo inevitavelmente sentia certa estranheza também.

Não havia nada naquela noite que a diferenciava das outras, de início. Shouto rolou em sua cama após acordar de um pesadelo que envolvia sombras e chamas até decidir que não iria conseguir adormecer tão fácil mais uma vez. Ele se levantou e desceu para a sala, pronto para ficar sentado encarando o nada enquanto tentava se esvaziar de pensamentos.

Havia sido diferente dessa vez porque quando Shouto chegou a seu destino, já havia alguém sentado ali.

Aquela havia sido a história resumida de como Shouto havia acabado no quarto de Midoriya, deitado entre a parede e o corpo do garoto enquanto ele tentava identificar seus olhos verdes no escuro.

Na história completa, Shouto diria que não tinha intenções de acabar naquela situação. O que ele queria ter feito; o que realmente passou por sua cabeça quando ele chegou à sala e viu aquele cabelo verde enrolado havia sido virar em seu calcanhar e voltar para seu quarto. Mas ele não fez isso, porque se Midoriya estava ali, então algo também deveria estar em sua cabeça.

Shouto estava tentando ser um amigo melhor, então ele ficou e perguntou para Midoriya se ele estava bem.

Quando as histórias foram contadas e Shouto se encontrou encarando a figura escura de Midoriya debaixo da luz fraca que a lua refletia pela janela, ele se perguntou se aquilo significava que ele estava sendo um bom amigo ou se era apenas parte de mais um dos seus desejos egoístas.

Era difícil discernir as coisas mais óbvias às vezes.

"Todoroki-kun? Você está dormindo...?" Midoriya havia sussurrado em algum momento. Shouto tinha quase certeza que havia caído no sono de olhos abertos, pois ele não conseguia se lembrar de um momento em que não tentava processar todos os detalhes do rosto de Midoriya desde que eles haviam se deitado ali.

"Não." sua voz soava estranha no silêncio do quarto, e Shouto ficou agradecido por não ter saído em um tom mais alto do que o necessário. Midoriya ainda estava próximo demais, mas Shouto estava desconfiando de que ainda havia espaço atrás dele no colchão. "Não sei se vou conseguir, na verdade."

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