ѕĸy poeмѕ.

o menino azul

eu realmente nem sei por onde começar a escrever o que é pra ser escrito aqui. alguns dos capítulos serão totalmente baseados em fatos reais, e esse é um deles. em formato de frase, poema, verso e estrofes que deixam ecos no grande vazio que será preenchido do coração. eu tenho um grande coração azul.

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quando eu era pequenininho,
ainda me chamando de 'pequena',
eu nunca fui como se espera
que uma garotinha seja.

desde muito criança
me pressionavam até o limite,
cobravam de mim coisas
que eu ainda não tinha
a capacidade de fazer.
mas eu sou grato,
isto está longe de
ser uma reclamação.

minha mãe não estava
preparada quando me teve,
era jovem, na flor da idade.
uma mulher linda,
que amava meu pai
de verdade.

mas o foco não seria esse;
está longe disso.

um sonho, um menininho
com a pele todinha azul,
assim como Krishna,
um deus indiano.
minha mãe sonhava com ele as vezes.
uma das noites antes de
eu nascer, minha mãe
sonhou com ele mais uma vez, ela disse.

ela o via tão nítido em seus sonhos,
dançando e tocando
uma pequena flautinha dourada.
quando me contava sobre esse seu sonho,
seus olhos brilhavam.
ela tinha certeza de que eu seria um menino.
ela sentia dentro dela.
ela mesma me dizia.
e nessa época, eu apenas ria dessa histórinha, achava tão divertido.

mas o tempo passou; para sua surpresa nasceu uma 'garotinha'.

nunca fui uma garotinha fácil,
brigava com todos,
ficava toda revoltada.
minha mãe dizia que jamais vira uma criança tão pequena,
dar socos com punhos fechados no rosto dos colegas.

ela guardara quando era pequena,
uma bonequinha para dar para a filha que ela tanto sonhava em ter.
assim que me entregou a mesma
eu cortei todo o seu cabelo,
risquei todinhas as suas pernas.

e assim foi com todas as minhas outras bonecas também.

com os meninos, eu sempre vivia correndo. minha mãe me chamava de moleca.

dentro de casa eu aprontava como um garotinho.

minha mãe se revoltou muitas vezes comigo da maneira errada; mas eu a perdoo, ela sabe que eu a perdoo, depois de vários anos tentando mudar por mim e ser uma mãe melhor.

eu queria ser um filho melhor.
eu gostaria de ter nascido com o corpo certo. eu gostaria muito, mesmo.

isso me fez tão, tão confuso. o que havia de errado comigo? por quê as pessoas sempre faziam amizade comigo por interesse, e quando me conheciam mesmo se afastavam, por ter uma personalidade "estranha"?

eu não soube o que eu realmente era até pouco tempo atrás. há dois anos eu descobri o que de fato são pessoas transexuais. há dois anos eu estou preso em uma realidade na qual tudo que eu faço tem que ser extremamente bem calculado, para que ninguém descubra
para que não haja culpa.

eu tinha grandes olhos azuis. muito azuis, como a pele do garotinho dos sonhos da minha mãe.

hoje em dia eles já estão verdes.
eles aprenderam a se camuflar.

mãe, e se eu for o menino azul dos seus sonhos?
mãe, e se eu não for a sua princesa mais?
mãe, você ganhou um príncipe, eu posso ser seu krishna ao invés da sua cinderela?

as vezes ainda me sinto cor de rosa.
sempre houve muito rosa em mim.
nunca conheci algo diferente disso.

tudo é muito novo, tudo muito diferente pra mim.
as vezes me sinto feliz por ter o corpo que eu tenho. é costume, eu me amo, eu sei disso.

mas as vezes as coisas subitamente vem a tona, e fica difícil de me amar. ainda tenho dificuldades.

oh, querido, seus amigos não sabem.
ah, querida, sua família não sabe.
eles não podem saber, pouquíssimos tem essa chance.

machuca, machuca, machuca.
anestesia.
"pare.
aceite.
você veio do jeito que deveria ter vindo, não há nada errado com você."

e as vezes eu acredito, que eu realmente deva ser assim, que eu realmente tenha que ter vindo assim, 'talvez eu precisasse aprender a ser menina.'

mas as vezes também te sufoca, te corta, te rasga a alma e a pele queima com o teu próprio toque.

menina, menino.
menino, mulher.

eu me sinto apenas nada.
eu sou o menino azul,
eu sou o céu agora.

prazer, sky.

// ps: não me identifico mais como uma pessoa trans, mas tudo que te define te limita.