Aberto 24Hrs

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Assim era seu mini inferno pessoal. Inoperante, como em várias esferas de sua vida, estava ali atônito a tudo a sua volta, só existindo naquele banco verde musgo do trem que pegava. Dali para sua casa, da sua casa para onde quer que fosse. Sempre, quase sempre, pensava em coisas fúteis, sobretudo naquele momento em que imaginava que raios de filme assistiria quando chegasse em sua casa. Falando de casa, nada mais acolhedor do que aquele colchonete fino que só evitava contato com o chão e aquela chaleira velha que preparava seus chás, o qual não poderia viver sem, considerando que seu nível de estresse aumentaria com absoluta certeza. Eram dez da noite, estava em sua casa, teve que andar por aquelas ruas e vielas mal iluminadas, pelas calçadas e suas valas, lutando em duas frentes, tanto pelo odor humano tornado em substância pela massa de poluentes quanto pela fobia sonora que desenvolveu em uma vida onde sons eram elementos de tortura. Não obstante, junto ao ato de deitar, com a roupa de sair, pegou aquela tela quadrada de penúltima geração, e, sem bloqueio algum, destrava um novo filme para seu repertório, um com aquela atriz morena bonita dos olhos grandes, e automaticamente, por ser um dos ditos aparelhos descartáveis, retira sua conta assim que o download foi concluído. Os espectros coloridos daqueles pontinhos de cor providenciaram sentimentos agradáveis aos quais confundia com amor. A garota era agradável de se olhar, uma constelação clarificada pelo resplendor de centelhas fulgurantes subjugadas invariavelmente por exíguos pontos nebulosos sobrepostos sob a tela do Smartphone. Porém seus olhos pesavam, seu corpo sabia de suas responsabilidades mais que o próprio. Era vencido um tanto de cada vez e em pouco tempo sua consciência adentra o mundo onírico, o qual fazia a perpetuação daquele olhar inocente e sedutor da garota, não, mulher que sustentava expressões tão reais. Sem sair de seu estado inconsciente e debilitante, o rapaz perde o evento - no mínimo interessante - que acontecia com a película negligenciada de sua atenção antes imperante. Aqueles olhos grandes direcionavam seu foco para o corpo debruçado. Eles continuavam acompanhando o sujeito, cujo corpo encontrava-se à deriva sobre aquele chão desprovido de calor, ignorante ao que a natureza, não totalmente conhecida pelo homem aprontava para com ele. A tela, por sua vez, entrava em efervescência - por falta de descrição mais precisa - de modo que o falso vidro imundo perpetuava iconicamente aquele olhar incisivo. À medida que se dava tal fenômeno, o ar atmosférico era irradiado por raios fúlgidos intensos e ludibriantes. Um show de luzes que poder-lhe-iam ter cegado.

E de um jeito averso ao convencional - da própria vibrante, radiante e pura energia - essa mulher surgiu. Materializada ali, sabia desde o princípio seu objetivo, confundir aquele plebeu jogado sobre o chão duro e sórdido, tendo como realidade a imprevisibilidade da sorte. Como era de se esperar, ele acordou com todo o rebuliço, não compreendendo a inteireza dos fatos : uma pessoa materializada estava à sua frente. Uma mulher não surge silenciosamente! A descrição dela parecia subliminar. Ganhava, entretanto, verosimilhança frente à estática inicial de seu semblante; à medida que sua estatura definia-se como relativamente alta, os cabelos castanhos desprendiam-se rente à gravidade afavelmente, os olhos moldavam-se em sua fisionomia ganhando inicialmente uma coloração verde azulada que posteriormente foi transformada num azul esverdeado, ainda mais interessante que o tom inicial. Com ênfase para o tamanho dos olhos, uma vez que eram contemplativos e serenos, mesmo com toda aquela natureza estranha se instaurando no humilde recinto. Tinha também um brilho vivo que dela emanava, como se sua imagem estivesse sendo reproduzida pelos raios catódicos de um televisor antigo.

Desde aquele primeiro instante sabia que aquilo lhe custaria, e ela sabia que o efeito que procurava só se potencializava a cada instante, o que fez com que fizesse um esboço de um sorriso completo de ponta a ponta do lábio carnudo na medida que ostentava. Aquilo lhe consumia, pouco a pouco a sua sobriedade era sorvida, tudo aquilo parecia fantasioso à sua integridade. Já estava de pé diante dela, com um desnivelamento responsável pela inclinação de sua cabeça. 

Mais um Conto Qualquer e Outras HistóriasWhere stories live. Discover now