Vaze

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Despiu-se, entrou no boxe e ligou o chuveiro. Básico. A música tocava no aleatório, qualquer coisa. A porta trancada evitava quaisquer embaraços desnecessários. Mas dessa vez, iria raspar seus pelos, pois uma hora todos precisam, a não ser que gostem, claro.
Molhou-se. Água quente ajudava. Fez algo complexo que vai da imaginação de qualquer um, e passou a lâmina. A lâmina cortou e se encheu de pelos. Ele lavou-a no chuveiro, tornando-a limpa de novo.
Foi sem querer, um acidente infeliz; ele se cortou. Não foi muito forte, na verdade não foi quase nada, tanto que só sentiu dor quando passou a lâmina novamente. Disse um palavrão baixinho e sentiu o coração acelerar. A dor surgiu como uma pontada, um chamado das profundezas das suas bolas, mas apenas ardia. Mas como não podia deixar um lado feito e o outro não, continuou, apenas desviando do pequeno corte.
Depois de todo o trabalho feito, limpou-se e sentiu o ardor o chamar. A dor e o sabão não se gostavam. Mas não importava, a dor logo parou e o trabalho se terminou; agora só faltava terminar o banho.
Foi quando foi lavar debaixo dos braços que sentiu. Sentiu a mesma dor. Dor de corte, de agonia, de pele faltando, de células gritando, uma pequeneza que ardia, mas que ninguém podia saber.
Contorcendo-se, tentou ver o que tinha acontecido.
Sangue. Simplesmente sangue escorrendo, mesmo que não tivesse passado a lâmina lá.
Ele tornou a se lavar, para ver o que acontecia, mas cada vez que a água batia, mais sangue escorria.
Certo desespero apossou-se de sua alma, do seu coração, da sua voz falha que tentava xingar perguntas ao Universo sobre o que estava acontecendo.
Sentiu outra dor igual no peito. Quando olhou, viu que seus mamilos estavam vermelhos e irritados. Eles se avermelharam mais e depois se apertaram, contorcendo-se, diminuindo, vermelhos, quase como sangue. E escorreram. Sangue escorreu de seus mamilos como se estivesse lactando sangue. Seus mamilos escorreram pelo corpo, líquidos, e caíram pelo ralo. Não havia mais dor, eles apenas se foram.
Nenhum pesadelo acaba quando parece que vai acabar; suas pernas começaram a coçar. E à medida que coçava, mais elas ardiam. E à medida que ardiam, começavam a sangrar. Seus pelos iam caindo, ardendo. Se não houvesse dor poderia até comemorar a ida deles, mas houve muita dor. Sangue escorria e parecia levar sua pele junto, como se alguém lixasse suas canelas. E sangrou e ardeu e derreteu.
Tudo escorria pelo ralo.
Suas pálpebras arderam. Suas sobrancelhas arderam. Seus pelos faciais arderam. Seu cabelo ardeu. Ardiam e derretiam, puxavam, sugavam. Iam para trás, iam para o lado, iam para fora. Sangrava, ardia, maculava a carne natural, não mais desejo se haveria por aquela pessoa. Seu peito sangrou. Suas costas sangraram. Tudo ardeu. Ele sangrou. Ficava pálido, escorria pelo ralo. Cuspia sangue. Derretia. Ardia. Na pele, ardia, um corte, profundo, azedo, áspero, bagunçado pela música e o som do chuveiro.
Ardeu. E tudo o que sobrou, foi uma pele branca e pálida, praticamente sem vida, que se desperdiçava morrendo no banheiro, escorrendo pelo ralo e derretendo, levado pela água.

Água e SangueWhere stories live. Discover now