III

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CAPÍTULO III

As coisas se moviam lentamente, via a boca de harabeoji se mexer mas só ouvia minha respiração pesada e meu coração saindo pela boca. Meus olhos arderam, mas eu não queria chorar. Movi meus olhos lentamente pela sala até que se repousassem sobre o homem idoso à minha frente, questões que enterrei no profundo do meu coração voltaram como tsunami sobre mim, franzi o cenho querendo entender tudo que estava acontecendo, toda aquela bagunça se devia por ter lido a carta de minha omma? Por conhecer Hoseok?


-O que é isso? - Retruquei meu harabeoji pela primeira vez na vida. - Me pergunta mesmo isso? Talvez eu nunca pudesse ter lido essa "carta", não é?- Fiz aspas com os dedos, já de pé. Halmeoni colocou a mão sobre os lábios em choque depois de eu ter levado um tapa no rosto do meu harabeoji.

-Mantenha seus costumes! Quem acha que eu sou? Eu te criei com a melhor educação e agora quer dar uma de rebelde? Rebelde sem uma causa que explique! - retrucou gritando e apontando o dedo em meu nariz. Sorri sem sentimento algum, engoli as lágrimas, não iria chorar na frente dele, não lhe daria esse gosto. Empinei meu nariz:

-Causas?! O senhor quer motivos?! - Respondi entre dentes e agarrei a saia do vestido.- Eu nunca pude ter uma vida normal, isso não é motivo suficiente? Eu por toda a vida não questionei o porquê de minha mãe ter me deixado, não questionei quando tive que estudar em casa, quando não pude ir para a escola como todas as garotas! Não questionei quando tive que viver dentro de uma caixa de aço em que os senhores Park me colocaram!

-Querida, acalme-se! - Halmeoni tentou intervir naquela discussão quase que violenta. - Não seja tão dura! - Sua voz se mantinha branda contudo magoada.Ela já estava para me tocar, atravessou a sala a passos lentos como se eu fosse uma leoa pronta a atacar, de fato eu era.

-NÂO ME TOQUE!- Gritei enquanto me desviava dela.- A senhora não é menos culpada! Isso é rebeldia? Querer ser você mesmo é rebeldia?

-É claro que não, querida! - Ela ainda tentava abrandar, apenas colocando mais lenha seca na fogueira. - Você só não seguiu as regras! Mentiu e escondeu coisas!

- Escondi, não obedeci... - Já não gritava, aquilo apenas me fez sentir uma marionete, e eu cortaria os cabos que me ligavam ao manipulador! - Vou perguntar uma única vez, onde estão as outras cartas que me minha omma me escreveu? Tem mais, essa aqui é a prova! - Apanhei a carta e lhes mostrei como se já não a tivessem visto.

-Menina insolente! Sai e volta com um rapaz e quer jogar a culpa contra nós?! - Ele perguntou desviando o assunto, e me enfureceu mais, como se houvesse maneira. - Eu te criei, te dei tudo do bom e do melhor no seu país natal e você vem com essa ingratidão? Nunca deveria ter deixado você ver a luz do sol se soubesse que isso iria acontecer! Você nunca deveria entregar seu coração a ninguém, você por acaso esqueceu o que seu nome significa? Esqueceu?!

-O senhor traz ele para a discussão, por que? Nunca ver a luz do sol? Meu nome? - Deixei meu corpo pender e caí sentada no sofá preto de couro novamente. Dessa vez as lágrimas irromperam a minha barreira e eu baguncei os fios do meu cabelo querendo entender o que aquilo tinha a ver com meus sentimentos. - Harabeoji... Harabeoji, o senhor sabe o que é precisar de um guia em sua própria cidade? Ou como é quando você sai na rua, e as pessoas te encaram como se fosse de outro mundo? Ou como é constrangedor, revoltante você saber que nunca poderia sair pelos portões, da sua casa sem ter medo do seus próprios familiares? Eu só descobri isso em um dia que a carta que os senhores não interceptaram chegou até mim!

- E o que isso tem a ver com você sair e voltar com um rapaz, Hyo Song? - Ele me encarou escorado no tampo da mesa, e eu apenas fiquei desacreditada em como ele queria focar todo o assunto em Hoseok. Eu estava quebrada e ele não queria ver.

- Você... Você é igual a ela!

-Yeobol! - Minha Halmeoni o repreendeu e eu, eu simplesmente me coloquei de pé novamente para encará-lo da melhor forma possível e sorri de canto.

- Isso não é ofensa pra mim! Se ela lutou para ter voz, se ela pôde amar, se ela conseguiu alcançar seus sonhos, eu sou igual a ela, porque não pretendo mais engolir as palavras! - Ele me encarou com uma expressão diferente, que não compreendi, mas não me impediu de continuar meu monólogo sobre meus direitos. - Comandamos o coração? Então como podemos sufoca-lo dentro de padrões de décadas atrás? Como confina-lo em algo que vai fazê-lo definhar aos poucos? Como deixar a razão reinar, quando é o coração que comanda todas as nossas ações? Minha mãe me deixou aqui, porque vocês me tomaram dela! Ela está lá em algum lugar vivendo intensamente! Não é como se eu fosse sair por aqueles portões e jogar meu corpo aos cães! Eu só vou sair da caixa de aço em que vocês me confinaram e viver! Eu estou tomando as rédeas da minha vida, me tornando rainha de minha alma e escolhendo viver da minha maneira!

Eles apenas me encararam, o silêncio só era interrompido por nossas respirações pesadas e ofegantes. Eles nunca esperariam que eu faria aquilo, que os questionaria... Agora só restara o alívio de ter tirado todas as palavras guardadas do coração. Meu harabeoji suspirou pesado e deu o seu veredito:

-Você não sai mais de casa sem sua halmeoni! Está proibida de sair do quarto até segunda ordem, vai ter tempo para pensar em sua insolência e se arrepender... - Ele falava com uma voz cansada, eu também estava cansada, mas o interrompi.

-Não irei me arrepender! - Disse firme, e com a voz embargada. - Nunca irei me arrepender disso. Estou me retirando, para mim já basta! - Agarrei minha carta antes que ele a pegasse, apanhei a minha bolsa e passei os olhos sobre halmeoni, e ela virou o rosto mas vi que ela estava chorando. Me voltei para harabeoji novamente. - Quanto ao meu nome, estou sendo filial. Sou filha de minha mãe e filha da vida!

Forcei minhas pernas a passarem pelas portas duplas os deixando e caminhei com cabeça erguida, não teria vergonha de buscar meus sonhos, mesmo que agora fosse somente sair livre pelos portões.

A senhora Bang foi a única que não me olhou com pena, na verdade ela parecia ver outra pessoa e não eu. Empurrei as portas duplas do meu quarto adentrando meu pequeno porto seguro, que agora se tornara meu purgatório pessoal. Joguei a bolsa em cima da cama junto ao casasco, chutei os sapatos para qualquer quanto, me desfiz do vestido e permaneci apenas com a combinação rosa bebê.

Coloquei o vestido no closet, tirei o pente enfeitado de flores vermelhas do cabelo e deixei em cima da penteadeira, encarei meu reflexo por um momento... Não estava exatamente deprimida, só estava com uma expressão impassível de quem estava digerindo tudo que acontecera. Quem imagina que sua vida vai mudar da noite para o dia?

Caminhei até a sacada e ignorei o frio, não importava de ficar doente, definitivamente não me importava com mais nada... Na verdade minha mente vagou até Hoseok. O que ele estaria pensando agora? E por que eu queria seu abraço quente? Algo quente desceu pelo meu rosto, toquei e eram lágrimas, mas lágrimas de que? Não havia dito tudo que queria? Mas ainda não era livre... Eu queria ser livre com eles ainda me amando, ainda tendo orgulho de mim! Mas se eles não me dessem isso, eu iria sozinha. Apenas eu!

Um floco de neve se pousou sobre meu nariz e percebi que estava muito frio. Depois que toda a adrenalina acaba você sente os impactos da luta. Suspirei e voltei para dentro, me joguei na cama de bruços e encarei a janela. Aquela noite ficaria marcada em mim com ferro em brasa, pelo menos disso eu tinha certeza. Em algum momento o cansaço me consumiu e eu me entreguei ao sono, sonhei com o pôr do sol e um pássaro voando ao longe e eu quis acompanhá-lo e lhe implorei que me levasse com ele. Ao longe ele me respondeu que eu teria que aprender a usar minhas próprias asas e que eu teria um bom mestre que me ensinasse.

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