Só pode ser brincadeira.

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Nervoso, bem nervoso, assim que me defino há cinco dias para o término de mais um ano. É, finalmente acabou, ou, eu diria, finalmente as coisas começaram a se encaixar. Isso mesmo. No final do ano. Porque minha vida nunca foi lá uma coisa certa, quero dizer, nada começa pelo começo. Sempre, sempre parece começar pelo final.

Como da vez em que eu estava quase repetindo por insuficiência em matemática, e, meu professor, fez de tudo. O cara era realmente muito bom, mas o problema era comigo. Sempre eu. Eu não entendia aquelas fórmulas loucas, puxa vida, encontrar o valor de X e encontrar a distância de Y nunca foram meu forte. Eu não conseguia nem me localizar com o GPS, que está frequentemente apitando com uma flecha enorme na minha cara. O negócio é: trabalho com fatos. E o fato é: Eu sou péssimo em matemática e péssimo em começos. E no final consegui aprender o mínimo para não ser reprovado.

— Vamos nos mudar, pense pelo lado bom, Rio de Janeiro é só curtição — Meu pai estava tentando me enrolar, na maior cara dura. A verdade é que estávamos sendo despejados, a empresa da família simplesmente quebrou. Juro para você, eu ainda posso escutar minha mãe, Inko, gritar que não iria aceitar. Bem, eu tive que fazer um esforço enorme para explicar que não havia o que aceitar, que brigar com papai não tornaria as coisas melhores. Mas ela não me deu ouvidos, deu de ombros, remexendo na sua caixa de joias — Que eventualmente teria que vender. É meu amor, na saúde, na riqueza e na pobreza. Foi você que jurou.

E isso me faz lembrar que eu nunca prometo nada. Nadinha mesmo. Porque eu sei que promessas são vazias demais, pelo menos, a maioria delas. E cá entre nós, as vezes esquecemos delas, falo por experiência própria, sou ótimo com esse lance de esquecer o arroz no fogo, mesmo prometendo a mamãe que iria olhar, jurando que não ia deixar queimar. O que aconteceu? Queimou. Se uma pessoa me disse-se: "Você promete me amar a vida inteira?" Olha, eu sinto muito porque ninguém nunca vai me dizer isso, e segundo, eu com certeza responderia: "Poxa, para sempre não é tempo demais, não é?". De vazia já basta minha carteira.

Motivo esse que nos faz amontoar uma imensidão de malas e pegar o primeiro avião dos Estados Unidos para o Brasil. Rio de Janeiro, para ser mais exato. Destino? Comunidade da rocinha. E se você acha pouco, precisava estar lá quando o banco foi buscar o Camaro de papai, mamãe surtou. Ela saiu correndo e pulou na traseira do carro, estava tão desesperada que precisamos lembrá-la dos bons modos da educação, e que caloteiros não compram carros. Bem, podiam até comprar, mas não significa que ficariam com eles.

E lá estava eu, em pleno meio dia, subindo uma ladeira de tijolos, com meus óculos Dolce Gabbana, e meus tênis vermelhos de praxe e meu poodle, digo, minhas malas — mas tão delicada como um. Em tom azul bebê, com listras rosa. Vamos, perdi o dinheiro, mas a classe não se perde. Classe essa que aqui me olhava de soslaio a cada passo que eu dava, alguns até cruzam os braços e estufavam o peito. Ouvi quando um garoto loiro, com uma camiseta de raios, gritou:

— Viadinho!

Pisquei diversas vezes, olhando-o fixamente, larguei a mala e juntei as mãos na cintura.

— E ai, algum problema? — Fui dizendo, danado da vida.

Ele arregalou os olhos e se levantou da lata de tinta que estava sentado. Me imitou com as mãos na cintura e num sorriso debochado pronunciou, devagarzinho:

— V.I.A.D.I.N.H.O!

E foi nessa hora que senti o meu sangue ferver, eu estava para pegar minha mala e arremessar no babaca quando meu pai pousou as mãos sobre meus ombros.

— Izuku — Disse num tom triste, quase amargurado — Aqui as coisas são diferentes, sim? Poderia ter um pouco mais de calma?

E naquele momento eu precisei lembrar os mantras que mamãe estava repetindo no avião.

Dane-se, Meu Bem! Where stories live. Discover now