Capítulo 16: Confidências

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  Consolou-me a palavra maternal, reorganizando-me as energias interiores. Minhamãe comentava o serviço como se fora uma bênção às dores e dificuldades, levando-as acrédito de alegrias e lições sublimes. Inesperado e inexprimível contentamento banhavameo espírito. Aqueles conceitos alimentavam-me de estranho modo. Sentia-me outro,mais alegre, animado e feliz.- Oh! minha mãe! - exclamei comovido - deve ser maravilhosa a esfera da suahabitação! Que sublimes contemplações espirituais, que ventura!.Ela esboçou um sorriso significativo e obtemperou:- A esfera elevada, meu filho, requer, sempre, mais trabalho, maior abnegação.Não suponhas que tua mãe permaneça em visões beatificas, a distância dos deveresjustos. Devo fazer-te sentir, no entanto, que minhas palavras não representam qualquernota de tristeza, na situação em que me encontro. É antes revelação de responsabilidadenecessária. Desde que voltei da Terra, tenho trabalhado intensamente pela nossarenovação espiritual. Muitas entidades, desencarnando, permanecem agarradas ao larterrestre, a pretexto de muito amarem os que demoram no mundo carnal. Ensinaram-meaqui, todavia, que o verdadeiro amor, para transbordar em benefícios, precisa trabalharsempre. Desde minha vinda, então, procuro esforçar-me por conquistar o direito de ajudaraqueles que tanto amamos.- E meu pai? - perguntei - onde está? Por que não veio com a senhora?Minha mãe estampou singular expressão no rosto e respondeu:- Ah! teu pai! teu pai!... Há doze anos que está numa zona de trevas compactas,16Confidênciasno Umbral. Na Terra, sempre nos parecera fiel às tradições da família, arraigado aocavalheirismo do alto comércio, a cujos quadros pertenceu até ao fim da existência, e aofervor do culto externo, em matéria religiosa; mas, no fundo, era fraco e mantinhaligações clandestinas, fora do nosso lar. Duas delas estavam mentalmente ligadas a vastarede de entidades maléficas, e, tão logo desencarnou o meu pobre Laerte, a passagem noUmbral lhe foi muito amarga, porque as desventuradas criaturas, a quem fizera muitaspromessas, aguardavam-no ansiosas, prendendo-o de novo nas teias da ilusão. A princípio,ele quis reagir, esforçando-se por encontrar-me, mas não pôde compreender que após amorte do corpo físico a alma se encontra tal qual vive intrinsecamente. Laerte, portanto,não percebeu minha presença espiritual, nem a assistência desvelada de outros amigosnossos. Tendo gasto muitos anos a fingir, viciara a visão espiritual, restringira o padrãovibratório, e o resultado foi achar-se tão-só na companhia das relações que cultivarairrefletidamente, pela mente e pelo coração. Os princípios da família e o amor ao nossonome ocuparam algum tempo o seu espírito. De algum modo, lutou, repelindo astentações; mas caiu afinal, novamente enredado na sombra, por falta de perseverança nobom e reto pensamento.Muitíssimo impressionado, perguntei:- Não há, porém, meios de subtraí-lo a tais abjeções?- Ah! meu filho - elucidou a palavra materna -, eu o visito frequentemente. Ele,porém, não me percebe. Seu potencial vibratório é ainda muito baixo. Tento atraí-lo aobom caminho, pela inspiração, mas apenas consigo arrancar-lhe algumas lágrimas dearrependimento, de quando em quando, sem obter resoluções sérias. As infelizes, dasquais se tornou prisioneiro, retiram-no às minhas sugestões. Venho trabalhandointensamente, anos a fio. Solicitei o amparo de amigos em cinco núcleos diversos, deatividade espiritual mais elevada, inclusive aqui em "Nosso Lar". Certa vez, Clarêncioquase conseguiu atraí-lo ao Ministério da Regeneração, mas debalde. Não é possívelacender luz em candeia sem óleo e sem pavio... Precisamos da adesão mental de Laerte,para conseguir levantá-lo e abrir-lhe a visão espiritual. No entanto, o pobrezinhopermanece inativo em si mesmo, entre a indiferença e a revolta.Depois de longa pausa, suspirou, continuando:- Talvez não saibas ainda que tuas irmãs Clara e Priscila vivem hoje igualmenteno Umbral, agarradas à crosta da Terra. Sou compelida a atender às necessidades detodos. Meu único auxílio direto repousava na cooperação afetuosa de tua irmã Luísa,aquela que partiu quando eras pequenino. Luísa esperou-me aqui muitos anos, foi meubraço forte nos trabalhos ásperos de amparo à família terrena. Ultimamente, contudo,depois de lutar corajosa, a meu lado, em benefício de teu pai, de ti e das irmãs, tãogrande é a perturbação dos nossos familiares, ainda na Terra, que voltou a semanapassada, a fim de reencarnar entre eles, num gesto heroico de sublime renúncia. Espero,pois, que te restabeleças breve, para que possamos desdobrar atividades no bem.Assombravam-me as informações referentes a meu pai. Que espécie de lutasseriam as dele? Não parecia sincero praticante dos preceitos religiosos, não comungavatodos os domingos? Enlevado com a dedicação maternal, perguntei:- A senhora, entretanto, auxilia o papai, não obstante a ligação dele com essasmulheres infames?- Não as classifiques assim; - ponderou minha mãe - dize, antes, meu filho,nossas irmãs doentes, ignorantes ou infelizes. São filhas de nosso Pai, igualmente. Nãotenho feito intercessões apenas por Laerte, mas por elas também, e estou convencida dehaver encontrado recursos para atraí-los todos ao meu coração.Espantou-me a grande manifestação de renúncia. Pensei subitamente em minhafamília direta. Senti o velho apego à esposa e aos filhos queridos. Perante Clarêncio eLísias, deliberava sempre recalcar sentimentos e calar indagações; mas o olhar maternoencorajava-me. Alguma coisa me fazia sentir que minha mãe não se demoraria muitotempo a meu lado. Aproveitando o minuto que corria célere, interroguei:- A senhora, que tem acompanhado o papai devotadamente, nada poderá informarrelativamente a Zélia e às crianças? Aguardo, ansioso, o instante de voltar a casa, a fimde auxiliá-los. Oh! minhas imensas saudades devem ser igualmente compartilhadas poreles! Como deve sofrer minha desventurada esposa com esta separação!...Minha mãe esboçou um sorriso triste e acrescentou:- Tenho visitado meus netos periodicamente. Vão bem.E, depois de meditar alguns instantes, acentuou:- Não deves, porém, inquietar-te com o problema de auxílio à família. Prepara-te,em primeiro lugar, para que sejamos bem sucedidos; há questões que precisamosentregar ao Senhor, em pensamento, antes de trabalhar na solução que elas requerem.Quis insistir no assunto para colher pormenores, mas minha mãe não reincidiunele, esquivando-se, delicada. A palestra estendeu-se ainda longa, envolvendo-me emsublime conforto. Mais tarde, ela despediu-se. Curioso por saber como vivia até ali, pedipermissão para acompanhá-la. Afagou-me então, carinhosa, e disse:- Não venhas, meu filho. Esperam-me com urgência no Ministério da Comunicação,onde serei munida de recursos fluídicos para a jornada de regresso, nos gabinetestransformatórios. Além disso, preciso ainda avistar- me com o Ministro Célio, paraagradecer a oportunidade desta visita.E, deixando-me n'alma duradoura impressão de felicidade, beijou-me e partiu.  

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