"O Distorcionista"

Coelhos e Cartolas

Edimburgo, Escócia, ano de 1989. O pequeno Denver, esgueirando-se na porta do seu quarto, conseguia ouvir os seus pais terem uma conversa séria sobre o que fazer com ele, visto que já era a terceira vez que o filho dos Luckman roubava um dos coelhos da criação da sua avó para "brincar aos mágicos" mas consequentemente, matá-los de fome, por não saber cuidar dos animais:

-Isto já me começa a preocupar, Simon. - desabafa a Mrs. Luckman - já não é a primeira nem a segunda vez que o nosso filho faz isto.

-É só uma criança a brincar, como qualquer outra. - contesta o Mr. Luckman.

-Não é isso que está em questão, ele não parece ter empatia nem vê os bichos como seres vivos, são só brinquedos, que ele usa e guarda numa caixa quando se cansa deles e deixa-os a morrer num canto...

-Talvez a escola dele não ensine os valores típicos de um bom cidadão. Amanhã, eu vou contactar um amigo meu professor, ele vai ensiná-lo a ser um homem como deve ser e deixar de ser "um palhacito de circo" que faz truques com coelhos mortos. - afirma o Mr. Luckman reconfortando a sua esposa.

Denver fica chateado e salta para a sua cama revoltado, afinal, os seus pais é que são ignorantes a seu ver, eles não sabem o quanto ele estava a trabalhar para revolucionar o típico e cliché truque do "coelho na cartola", tudo bem que ainda não obtivera sucesso, mas ser um grande ilusionista sempre fora o seu tão cobiçado sonho.

Anos passam, Denver passa maior parte dos seus dias em casa, a estudar com o professor Scott, um velho padre da sua cidade natal e amigo do Mr. Luckman. Com ele, o rapaz aprendeu a se comportar como um cidadão cristão, devoto aos costumes, seguindo algumas ideologias machistas e antiquadas, o que permitiu a Mrs. Luckman resguardar cada vez mais o seu filho de qualquer presença feminina, acreditando que mulheres o iriam seduzir e desperdiçar a sua pureza.
Denver cresce assim como um adolescente frustrado, retrógrado e cada vez mais solitário. O seu único escape à realidade era o sótão da sua casa aonde aprimorava os seus truques de ilusionismo e imaginava como seria estar em frente aos grandes holofotes de Hollywood, Los Angeles, Paris, Tóquio.

- Senhoras e cavalheiros, é com muita honra que hoje vos apresento, o fantástico, o irreverente, o excecional Luckman! - idealiza com entusiasmo.

- Oh! Luckman! Deixaste-me encantada com os teus dotes na magia? Como o fazes? Se quiseres, vamos para a minha casa, tomamos um chá, e, quem sabe, mostras-me e ensinas-me tudo o que quiseres?

- Um mágico nunca revela os seus segredos, aposto que já tenha ouvido esta frase, mas aceito com todo agrado o seu convite. - outra de suas grandes ambições seria conseguir uma esposa através dos seus encantos e dotes no mundo mágico.

Facto é, que quando finalmente se formou, a primeira coisa que procurou fazer era a sua primeira performance. 

Rondando por todas as ruas, frias do inverno gélido e escuro, passou por clubes, teatros, cafés e bares da sua cidade. Semanas passam e, parece que as pessoas já não se fascinavam tanto, nem se deixavam iludir tão facilmente com os seus truques. Seria todo o esforço, toda a rejeição por sua família, todo treino por anos em vão? Para chegar a este presente ingrato, em que as pessoas já pensam que sabem de tudo, que já não acreditam na ilusão, que não acreditam na magia das coisas mais simples. Ser rejeitado por esta geração não estava nem um pouco perto dos seus planos e metas. 

Meses passaram agora, o jovem e cansado Luckman decide deixar o seu principal objetivo de lado, pois agora precisaria de conseguir algum dinheiro para ajudar o seu pai a manter a sua mãe que adoecera de uma forte leucemia. Este conseguiu vaga de emprego numa das fábricas da William Grant & Sons * , no setor de fermentação alcoólica e produção de bebidas. 

Nesta fase da sua vida, a tão grande envolvência com bebidas alcoólicas e a grande tristeza que acompanhava o seu fracasso, acabou por levar Denver ao alcoolismo, todas as suas vésperas de folgas ele gostava de pernoitar até a manhã seguinte em qualquer bar que estivesse diSposto a servi~lo exageradas quantidades de bebida.