2.Eu preciso que você fique

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Lory me leva a nossa lanchonete favorita de quando éramos pequenos, onde as paredes estão repletas de pôsteres de artistas dos anos 80.

Escolho uma mesa ao lado da janela.
Péssima escolha.
Não há nada de agradável na vista além do estacionamento sujo (por falar em sujo, estamos bem ao lado do banheiro), além do fato de que Dolly Parton está me encarando assustadoramente, na parede a frente. Mas Lory se senta e já que não parece se importar, não digo nada.

- Esse lugar mudou. - Digo, com certo desdém.

- Que nada - Minha irmã me diz - Você é que cresceu.

- Você também cresceu. - Retruco.

- É, mas continuo gostando daqui - Ela diz - Você cresceu e ficou chato.

Ela não da a mínima para minha expressão ofendida e começa a olhar o cardápio.

- Sei que você não gosta mas daqui - Dispara, ainda olhando as opções de comida - Mas ainda é um lugar especial.

- Você diz isso só porque coisas boas aconteceram com você aqui. - Digo, me debruçando na mesa, para que Lory ocupe toda minha visão de Dolly. - Seu primeiro beijo...sua primeira bebida...mas comigo não há mais nada de bom para se lembrar, você sabe...

- Sim, eu sei Thomas! - Ela diz, subitamente alterada. - Você viu mamãe beijando outro cara, quem liga?! Você não devia deixar os erros dela atrapalharem suas boas lembranças. - Lory resmunga o fim da frase e não sei mas se ela está dizendo isso pra mim ou pra si mesma.

- Lor...

- Ela é minha mãe também, porque você se esquece disso? - Ela pergunta, enquanto tira o cachecol e o casaco.

- Não me esqueço. - Digo.

- Não estou pedindo para você perdoá-la, mas você podia ao menos superar?

Dessa vez não respondo. Sei que não tenho sido justo com minha irmã. Voltar para cá está sendo uma droga, mas ela no momento é a única que tem tentado me ajudar.
Ou pelo menos a única que eu deixo me ajudar.

É mas ou menos aí que percebo como fui covarde esse tempo todo, fugindo da realidade, enquanto minha irmã ficou para segurar meus estragos.

- Porque não pedimos o de sempre? - Pergunto, no tom mais amigável possível.

Lorelai não responde, nem tira os olhos do cardápio, mas posso ver um pequeno sorriso em seus lábios.

- Por mim tudo bem.

*
Quando ambos estamos fartos dos hambúrgueres gordurosos e dos milk-shakes enormes, Lory decide que já está na hora da minha tortura.

- O pessoal está esperando por você.

- Defina pessoal? - Digo, enquanto entramos no carro e abrimos as janelas.

Brasil, calor.

Olho uma última vez para a lanchonete, me despedindo de Dolly, com sorte, para sempre.

- Bom...Todo mundo. Não disse que estavam dando pulinhos de alegria, prontos para jogar confetes em você. - Ela diz, enquanto sai do estacionamento. - Eles meio que tem a obrigação de estar lá.

Me sinto mal com isso, já que eu fui embora e deixei todos na mão. Não acho que eles tenham mas obrigação nenhuma comigo. Aliás, saber que estão lá contra a própria vontade só me faz sentir pior.

Encaro as ruas por um tempo, antes de tomar coragem para perguntar. Mas Lorelai já me conhece o suficiente.

- Não, Will não voltou. - Ela diz, num tom passivo, sem tirar os olhos do trânsito. - Ele não teria coragem.

Poeta Das Manhãs [reescrevendo]Where stories live. Discover now