Capítulo 2

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"Cão que ladra não morde."

Continuo paralisada, sua voz tem um timbre grosso, profundo e faz as minhas pernas bambearem com o nervosismo. O tal Queiroz me encara de forma curiosa, provavelmente, tentando entender o porquê de ainda estar parada, com cara de besta, olhando para ele.

— A moça bonita fala? — Um sorriso travesso surge em seus lábios. Provavelmente, achando graça de mim.

Reflito que de bonita não tenho nada no momento. Uma cara amassada, a ressaca tomando conta do meu humor, os cabelos pretos e lisos presos em um coque bagunçado no alto da cabeça. Reparo que estou usando uma blusa branca de alça e calça jeans surrada, foi a primeira coisa que encontrei quando acordei atrasada, e acabo lamentando profundamente.

Consigo finalmente me libertar do transe que ele me colocou, talvez algum tipo de vodu, magia negra ou qualquer simpatia de amarração que ele deve fazer. Eu nem sei qual Queiroz ele é, mas estou mais que disposta a lhe mostrar meu aposento.

Deprimente.

Percebo que seu comentário foi uma tentativa boba de jogar charme e logo recomponho minha cara de poucos amigos, franzo as sobrancelhas, comprimo os lábios e aperto os olhos. Se ele pensa que é só sorrir e eu vou me derreter, está mais do que enganado.

— Sou moça e o bonita fica pelo seu descaramento, senhor. No que posso ajudar? — Para enfatizar minha seriedade, pego um pano sujo de graxa do balcão e limpo meus dedos, encarando o feiticeiro.

— OK! Já entendi. — Ele levanta as mãos, em sinal de rendição. — Sou Vinicius Queiroz, cheguei há pouco de uma viagem e trouxe a moto que era do meu pai para uma revisão. Ela não dá partida, ficou tempo demais parada no galpão da fazenda, pode ser algo relacionado à bateria. Gostaria de saber se o seu Jaime pode olhar para mim.

Enquanto ele fala, percebo que seus olhos me encaram dos pés à cabeça, talvez tentando entender o que uma garota está fazendo sozinha nesta oficina.

— Ele não cuida de motos.

— Não? Que merda! Vou ter que rebocar até a capital — ele lamenta, passando a mão pelos cabelos, em frustração.

— Eu olho as motos da oficina. Se quiser, pode encostar ela aqui. Mas já aviso: só terei tempo em algum momento da semana que vem.

O tal Vinicius me olha com curiosidade e acredito que um pouco de expectativa, certamente, não acreditando nas minhas palavras. O que, na verdade, não me importa muito. Ele que busque uma oficina mecânica na capital, se não confia em mim.

— E a moça sabe fazer isso? — Seu olhar divertido me deixa ligeiramente irritada.

— E o imbecil duvidando por quê? — Apoio uma mão no balcão e a outra na cintura.

Se sair mais uma gracinha daquela boca tentadoramente bonita, a chave de roda sobre o balcão vai ser a próxima coisa que vai beijar, por um longo tempo.

Ow. Já vi que tem garras. Tudo bem, moça. Se não tem outro jeito, deixo a minha moto sob seus cuidados.

— Na verdade, tem outro jeito sim. Pegue ela, enfie numa caçamba e vá para a capital. Não preciso da sua desconfiança.

— Você é sempre assim... hostil? — Ele cerra os olhos e se aproxima de mim, deixando as mãos de forma displicente no quadril.

— E você, é sempre assim... esnobe? — Tento imitar seus trejeitos diferenciados.

— Eu não sou esnobe! — rebate, espantado.

— Mas eu sou hostil. Então, acho melhor se afastar, antes que essa chave de roda acerte sua cabeça.

[Degustação] Detestável Para Mim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora