Capítulo VII - Isolada

7 1 0
                                    


Tolanle sempre foi amável e dócil "desde o ovo", como dizia sua mãe. Ao brincar com os demais filhotes nunca revidava um empurrão ou qualquer outra ofensa. Resistia apenas.

Obedecia aos mais velhos, sempre ponderando sobre o que lhe era falado. Mesmo assim se machucou, algumas vezes, por acreditar em algumas crias mais velhas. O que a forçou a ser mais desconfiada com o que ouvia.

Não foi surpresa quando Tolanle foi escolhida para iniciar seus estudos druídicos e saiu do seio familiar, se embrenhou na mata junto ao seu mentor. Com Porner Tolanle aprendeu que a natureza e os seres que nela habitam não conseguem se defender de todas as ameaças e que o druida tem a obrigação de protegê-los. E, para isso, Tolanle precisaria saber quando e como usar de violência.

Em poucos anos Tolanle aprendeu quais plantas e ervas eram nocivas ou curativas, como lidar com os animais e, especialmente, como comungar com os espíritos deles para conseguir se metamorfosear.

Porner não possuía dificuldades em ensinar sua aprendiz. No entanto, poucas vezes a deixava sozinha. Geralmente isso ocorria quando retornavam a aldeia da jovem antropossaura.

- Mestre, arrumei o necessário para viagem.

- Bom Tolanle. - sorriu gentilmente Porner – Dessa vez, no entanto, teremos que passar em outro local além de sua vila, pois preciso conversar com Bolol, o Raminho. Sinto um cheiro diferente na floresta que não sei o que é.

- Nada sinto de diferente mestre. - a jovem druida fungou o ar em busca de algo que lhe chamasse atenção. - O que o senhor farejou?

- Não sei dizer bem o que é. É similar a um incêndio que logo é apagado pela chuva. - pensou bem ao falar tais palavras. - Mas também cheira a seiva de ente derramada. É certo que algo ocorreu em direção às Montanhas de Fogo. Algo não usual.

- E como sabes disso tudo? - questionou perplexamente Tolanle – Quero dizer, se o mestre não sabe o que esse cheiro é como conseguiu ter essas conclusões?

- Isso é algo que a experiência diz. Vi entes morrendo em meio às chamas dos dragões das Montanhas. Grandes áreas de floresta serem reduzidas às cinzas porque um grande dragão ficou mal humorado. Também vi círculos druídicos se unirem para conseguir apagar tais incêndios. - o olhar de Porner distanciou-se de onde estavam, viajando centenas de quilômetros para o oeste – Esse, no entanto, não é o cheiro que eu sinto agora. É só o mais próximo que consigo descrever. Assim, aprendiz – o termo saiu como num deboche carinhoso – preciso falar com Bolol, que é especialista em ramos e videiras e vive mais ao oeste que nós.

- Entendi mestre, não quis lhe incomodar. - a jovem druida baixou a cabeça, levemente envergonhada por fazer seu mestre relembrar de fatos dolorosos daquele tipo. "Certamente amigos dele morreram nesses acontecimentos".

- Não se envergonhe. Não é porque não lhe falo do meu passado que eu não me lembre dele. Apenas decidi que meu passado me trouxe até aqui e que, hoje, estou plantando meu futuro. Não os mudo, apenas os aceito e aprendo com o que vivi.

Caminhou para o noroeste, iniciando a viagem.

- Minha jovem, a escolha sempre é sua em como ver o que está à sua frente: - apontou para onde iriam – um labirinto verde ou uma maravilhosa dádiva da vida.

- A dádiva maravilhosa da vida. -sussurrou Tolanle.

*

Os dias de caminhada por entre as frescas e verdes da Florestas Perdidas foram estranhamente agradáveis. Tolanle percebia a preocupação de seu mestre com os possíveis acontecimentos. Não se atreveria a perguntar-lhe sobre isso. Certamente resultaria na lembrança de assuntos delicados e profundos do mestre druida. Mesmo que ele não admitisse isso.

Reinos Perdidos: Lar PerdidoWhere stories live. Discover now