Capítulo 5 - Cilada

17 0 0
                                    

- Eu não quero entrar.

- Mas Alice, viemos nesse passeio e essa é a principal atração!

- Não gosto de locais escuros. Detesto lugares abafados. Não curto esse tipo de diversão!

- Deixa de bobagem. Olha só, pega na minha mão.

- Promete não soltar?

- Sim, prometo!

A escuridão foi iluminada pelo feixe da lanterna. O silêncio foi quebrado pelos cautelosos passos de Alice. No ar, a mistura de poeira e cheiro acre a deixou enjoada. O ar ali dentro era mais gelado. Alice iluminou o ambiente e percebeu que o teto iniciava alto, depois inclinava para frente e, conforme avançava, ela precisou se abaixar um pouco. Estava num tipo de ante sala, que era um quadrado pequeno. No chão, estavam as mesmas marcas do lado de fora, na entrada da caverna. Logo a frente, no lado oposto a entrada da caverna, o chão ficou mais alto, as paredes se estreitaram e o teto abaixou abruptamente. Parecia formar um acesso a uma passagem. Mais no final, só havia uma parede de rocha maciça e um pequeno altar. Nenhuma porta era visível.

Alice sabia que tinha algo mais ali. Sentia isso em sua pele. Todo o local era artificial demais. Parecia ter sido forjado. O altar era um oratório formado por pedras simetricamente empilhadas. Meia dúzia de velas estavam apagadas e dois ramos de flores estavam dispostos em cada lado do altar, um seco e outro vicejante. No alto do altar estavam dispostas frutas podres. Não havia estátua, objeto ou desenho que pudesse representar o destino das orações – se fossem orações. Não havia luzes na ante sala. Isso intrigou Alice. Tateou em vão a parede atrás do altar a procura de algum botão que ativasse uma passagem secreta como nos filmes. Olhou para o teto a procura de algum sinal. Nada, nenhum sinal de artefato que pudesse acionar o suposto mecanismo de abertura de porta.

Rodeou o altar em busca de alguma alavanca, algum fragmento de rocha mexida, qualquer indício. Olhou novamente o altar simetricamente construído. Era estranhamente perfeito demais. Pelo estado de decomposição de algumas frutas e flores, parecia ser velho. Se realmente fosse um altar velho, haveriam marcas de cera, de musgo e de limo das pedras. Mas algumas pedras eram novas, sequer tinham marcas de tempo. Quem fez o altar queria dar a impressão de ser antigo, mas pecou nesse detalhe que Alice percebeu.

Começou a remexer em algumas pedras, na tentativa de encontrar algo escondido. Tinha convicção de que encontraria, pois tudo ali era muito suspeito. Ela tinha faro. Ela tinha tino. Ela tinha um dom e o usou. Logo Alice encontrou o que buscava. Ao afastar o monte de pedras que era o altar – o que deu um bocado de trabalho – foi revelado um risco no chão de alguns centímetros, quase imperceptível, ainda mais no escuro e com toda poeira acumulada no chão.

Alice se aproximou e com os pés varreu o local. Deitou e soprou com força o chão. BINGO! Lá estava, nítido, em formato quadrado, um alçapão de acesso. "Está ficando cada vez mais interessante", pensou Alice e absorta não passou pela sua cabeça registrar o local – sua Nikon jazia no fundo da mochila. Olhou o alçapão, procurando alguma coisa similar a uma maçaneta que pudesse usar para abri-lo. Viu um pequeno círculo bem no meio, em um dos lados do quadrado. Sem pestanejar, puxou e uma luz forte invadiu o recinto. Alice passou pela passagem.

Estar ali era um desafio para Alice. Já havia entrado alguns metros na caverna até chegar na ante sala que estava agora. Mesmo que desistisse da procura, teria que voltar pelo claustrofóbico caminho. Tentou afastar os fantasmas do passado, da aversão a cavernas, trem fantasmas, túneis, tudo que fosse claustrofóbico. Mas por mais que tentasse fugir, acabava numa dessas ciladas da vida. Seja com seus pais conhecendo a Gruta de Nossa Senhora dos Falecidos, onde não largou nem por um segundo a mão de seus pais, seja no trem fantasma com um ficante (crush na linguagem atual) ou nos engarrafamentos constantes do túnel da marginal oeste. Era sua cina, só podia, pensava. Tinha enfrentado todos com louvor.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Feb 05, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Na Teia da TramaOnde histórias criam vida. Descubra agora