Recomeço e fim

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  Edson cobriu a cama de pétalas, acendeu velas por todo o quarto. Jogou todas as roupas sujas atrás do criado mudo, checou seu hálito e respirou fundo. Contando com as pétalas, as velas e o vinho, gastou cento e vinte reais para aquela noite. Será que cento e vinte reais seria investimento suficiente pra Elisa ficar feliz?
  Elisa tocou a campainha, Edson correu para atender, checando novamente se o Listerine foi eficiente.
— Oi, minha linda! Entra! - Inclinou-se para beijar Elisa, mas foi ignorado.
— Edson, a gente precisa conversar.
— Eu sei, mas pelo menos entra.
Elisa entrou no apartamento, jogou a bolsa no chão e se jogou no sofá, levando as mãos à cabeça e repetindo:
— Edson, a gente precisa conversar.
— Eu sei, eu sei, vamos conversar lá no quarto. - Disse enquanto já se dirigia pra lá.
  Elisa foi atrás, arrastando os passos e suspirando numa terrível descrença daquela situação. Chegou na porta e fitou aquele cômodo decorado ao estilo de um romance hollywoodianos feito para meninas virgens. Suspirou ainda mais profundamente.
— Edson, é o seguinte...
— Ei, espera! Olha aqui, isso tudo é pra você, pra gente. 'Bora ter uma noite legal, se curtir, que nem a gente fazia no começo do namoro. Eu sei que você anda insatisfeita comigo, eu não sou o cara que você merece...
— Edson, me escuta, por favor. Eu vou ser muito sincera e pragmática. - Edson fez que sim com a cabeça, já desconfiado de que as pétalas não foram suficientemente atrativas. - Então, pra mim tá claro que não tá funcionando mais. Tá tudo uma bosta. Eu não fico mais animada quando vou te ver, a gente conversa no automático, não tem tesão na nossa troca de ideias. A real é que nosso namoro nunca foi grande coisa. A gente se curtia muito como amigo, mas daí pra namorar foi meio precipitado.
— Mas, Elisa, funcionou por dois anos!
— Funcionou?
— Sim, a gente super se preocupa um com o outro, gosta de um milhão de coisas em comum. Os dois amam azeitona, quais as chances? Além do mais, nosso sexo é ótimo! - Nesse momento, foi interrompido por uma risada contida da namorada. - Que foi? Vai me falar que não é ótimo?
— Eu nunca gozei com você.
— Que!? Tá me zoando? Claro que gozou!
— Acho que eu é que sei se gozei ou não.
— Você tá falando isso por deboche, não é possível!
— Edson, meu bem, você é um cara ótimo, mas você não consegue ler uma mulher. A gente namora há dois anos e 'cê achou que flores iam funcionar? Te falei milhões de vezes sobre como eu acho essas coisas toscas!
— Porra, você 'tá sendo desnecessária!
— Eu 'tô' sendo sincera! Você precisa se tocar pra não repetir isso em outros relacionamentos.
— Então você tá terminando mesmo?
— Sim. E tem uma coisa que acho que você tem o direito de saber...
— Você ficou... com outro cara??? - A voz falhou, ele não se sentia bem.
— Não, eu fiquei com uma mulher.
  A feição de Edson não era das piores. Pensou um pouco, esboçou um leve sorriso.
— Tudo bem, Elisa, não tenho grilo com isso, eu sou cabeça aberta. A gente pode até fazer alguma coisa a três se você quiser.
— Meu santo Deus...
— O que?
— Eu descobri que gosto de mulheres, eu sou lésbica.
Edson disparou a rir.
—Você não é lésbica, meu bem! Eu te conheço! Deve ser um fetiche, alguma coisa assim. Você quer experiências e tudo bem, podemos fazer isso juntos.
— Eu não vou tentar te convencer, já é difícil suficiente lidar comigo mesma. Só aceita, tá bom? A gente termina por aqui.
— Elisa! Olha tudo que eu arrumei pra gente!
— Tá, Edson, obrigada pela intenção.
— Só isso?
— O que você quer?
  Edson olhou de relance para a cama, sorriu de canto.
— Uma despedida, pelo menos.
— Eu acabei de te falar que eu sou lésbica!
— A gente transa há dois anos, não pode esperar mais essa noite?
— Você é nojento!
— E você é a porra de uma sapatão!
  Os olhos de Elisa quase desceram pra garganta do tanto que se reviraram! Pensou no quanto superestimou a capacidade de empatia de um homem branco, mesmo depois de ter majoritariamente experiências ruins com eles.
  Mulheres se acostumam com um padrão tão baixo que o ultrajante se torna normal. Agora o amor de Elisa se direcionaria para ela mesma e outras mulheres, o que além de afetivo, eram também um ato político.
— Eu vou embora, Edson, você que lide com a sua ignorância.
  Quando abriu a porta, Edson gritou do quarto:
— Espera!
— O que?
— Nem um boquete?
  Elisa riu.
— Nem se seu pau não fosse torto, nem se você lavasse melhor, o que deveria fazer. Nem com mil reais em pétalas de rosa, Edson.
  Fechou a porta.

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⏰ Last updated: Feb 17, 2019 ⏰

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Vai, Elisa!Where stories live. Discover now