Sem Pressa

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A moça de olhos pequenos e sorriso largo que levou Carine em casa, abriu a porta do apartamento e pediu que entrasse, "fica à vontade". Foi o quarto encontro das duas no intervalo de duas semanas, o que não era do feitio de Ana, a pessoa que provavelmente disse mais vezes na vida "acho que estamos indo rápido demais".
Carine se entendeu lésbica há menos de seis meses, depois de anos se relacionando com homens. Ana, com uma história bem diferente, com onze anos disse pra mãe: "eu nunca vou deixar um homem me beijar". Dito e feito, com exceção do beijo à força que Pedro "roubou" (seguido de um merecidíssimo chute no pau).
O background diferente de Ana e Ca não foi empecilho pra uma identificação muito bonita e espontânea. Ambas aficcionadas por graphic novels de terror, dividiam também a predileção por bares caindo aos pedaços. Foram em bares assim três dos quatro encontros.
Carine se sentou no sofá, reparou sem disfarçar a decoração da sala, viu alguns CDs ao lado da TV e confirmou que o gosto musical não era uma de suas afinidades. Isso não a preocupava, estava tão envolvida com cada cachinho dos cabelos volumosos de Ana que as diferenças eram só um atrativo a mais.
— Aceita vinho? - Ana perguntou, voltando da cozinha com a garrafa na mão.
— Não, acho que já bebi demais hoje, mas obrigada!
— Você é muito fraca. - Disse naquele tom misto entre deboche e flerte, enquanto se servia num copo de requeijão e sentava ao lado de Carine.
Seria interessante se soubessem como era recíproco o frio na barriga que se causavam simplesmente por sentirem o cheiro uma da outra. Mas a tensão sexual só acontece por haver certo desconhecimento da subjetividade do outro. O mistério é o melhor combustível pro desejo de um curioso, e Carine estava de fato curiosa, ainda não tinha transado com nenhuma das mulheres que se envolveu.
Ana deitou seu rosto no ombro de Ca, que sentiu no pescoço a respiração leve saindo do corpo que ela visualizava todos os dias nos momentos mais inconvenientes. Se beijaram, sem pressa, as mãos começaram a caminhar pelos corpos, também sem pressa. Cabelo, cafuné, coxas, nucas, costas, o reconhecimento tátil entre semelhantes tão diferentes.
Carine, sem perceber, mas percebendo bem, deslizou a mão por debaixo do vestido de Ana e sentiu pela primeira vez, outra mulher molhada. Todo seu medo de não saber o que fazer, já não a atormentava mais, sua mão fluía tão naturalmente entre as coxas de Ana quanto fluía o beijo lento. Sem pressa. Sem pressa como se sente a brisa de olhos fechados, como se degusta um vinho, como se torce pra que momentos não passem. Sem pressa.
— Quero sentir seu gosto. - Sussurrou Ca.
— Não quero que você se sinta pressionada a nada.
— Eu quero.
Carine se ajoelhou de frente Ana e beijou cuidadosamente do joelho à vulva. Grandes e pequenos lábios, nos lábios e língua. Mãos apertando as coxas, acariciando a barriga, puxando pra si. Conhecendo os gostos, os cheiros, reconhecendo contrações involuntárias de prazer. Gemidos baixos, respiração em alto e bom som.
Carine descobriu, ao gozar com Ana, que era a primeira vez que tinha um orgasmo. A descarga de pulsações pelos corpos, a eletricidade dos toques, o calor das bocas e dos líquidos. Duas mulheres juntas e seu potencial de virarem poesia concreta.
A tensão sexual tem o gosto bom, mas o processo da realização é uma dádiva. Alívio, paz, vontade de deitar no peito. E assim foi. Foram pra cama, Ana beijou a ponta do nariz de Carine, sorriram preguiçosas e dormiram.
O que vem depois, é preocupação pra depois.

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⏰ Last updated: Feb 25, 2019 ⏰

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