Cap. 8 - Lealdade

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      Protegida entre as paredes da Biblioteca, Medina podia sentir o seu precioso poder se esvaecer lentamente. Em pé, entre as estantes repletas de livros, a bibliotecária observava estarrecida e horrorizada a sua própria mão e, mais do que isso, o que não sentia mais na ponta dos dedos, aquele toque magistral com o qual regia com punho de ferro o seu domínio literário simplesmente parecia escapar por entre os seus dedos.

-Senhora. – esbaforiu o pirata maneta, fazendo-se ecoar pelos corredores vazios. Ele surpreendeu Medina que se virou rapidamente na sua direção ainda com um semblante nítido de surpresa. O corsário também foi pego desprevenido pelo fato de ter surpreendido Medina, afinal, quando se é supostamente capaz de sentir e mandar em cada uma das estacas de madeira que formam o mosaico do chão, surpresas não são possíveis. O famoso capitão soltou um riso gutural antes de perigosamente provocar Medina: - Perdoe-me, eu a assustei?

Medina o fuzilou com tanto ódio que poderia ter atravessado o crânio do infeliz pirata e dado a ele uma boa razão para um tapa-olho.

-O que foi, pirata? – ela esbravejou entredentes.

-A trupe de aberrações que planeja destroná-la continua vindo para cá, a todo pano. Se a maré ajudar, mais cedo do que imaginamos. – ele explicou o eminente desatino para a furiosa bibliotecária, o sangue de Medina fervia um pouco mais a cada nova palavra que o infame pirata tinha a audácia de pronunciar. – Eu creio que... – ele passou a língua sobre os seus dentes carcomidos pelas manchas negras do escorbuto. – Você os subestimou.

Aqueles não eram modos de se referir a ela, aquilo era a mais vil afronta ao ego moribundo de Medina; uma bandeira negra com uma caveira e ossos cruzados. O Capitão Gancho fitou de relance o brilho no artefato metálico que lhe servia de mão e, logo em seguida, cravou os olhos em Medina, esperando ansiosamente pela tempestade que havia atiçado, isto é, se ela ainda fosse capaz de conjurar uma. Para o terrível azar do pirata, sim, ela ainda era.

Com um simples apertar de olhos, Medina fez o pirata se arrepender amargamente de suas palavras inconsequentes. O vil bucaneiro foi tomado por uma dor petrificante que o lançou de joelhos ao chão e fez as veias em seu pescoço saltarem à vista.

-Não. – Medina declarou com um tom absolutamente frio, em contrapartida a suas ações enérgicas. – Eu superestimei você, capitão.

O olhar estampado no rosto do marujo implorava clemência, todavia, Medina estava disposta a fazê-lo andar a prancha até o fim e jamais esquecer aquela lição; não teste até onde o poder de alguém vai a menos que você esteja disposto a descobrir da pior maneira possível. O pirata não ousou pedir por misericórdia, embora suas entranhas clamassem pelo término daquela tortura.

-Sem fala, pirata? – ela questionou num tom quase decepcionada. Como se o famoso capitão pirata fosse uma simples marionete submissa ao seu bel-prazer, Medina, com um gesto de sua mão, fez ele erguer o gancho a altura de sua própria garganta. – Da próxima vez, eu vou fazer você esfolar a si mesmo, entendeu? – ela vociferou irada.

O pirata não soube ao certo se ela ficou satisfeita com o sofrimento que lhe causara ou se simplesmente ficou exausta com a pequena demonstração de poder e periculosidade, mas a questão é; enfim, ela o soltou de seu domínio. Exaurido, o pirata recuperava o fôlego ainda ao chão, enquanto Medina, secretamente, esforçava-se ao máximo para se conter. Suas forças se tornavam cada vez mais preciosas e, portanto, não deveriam ser desperdiçadas. Era necessário estratégia e astúcia, duas qualidades em que, talvez, o experiente pirata ainda tivesse alguma serventia.

Dessa vez, Medina sentiu as passadas longas de alguém que se aproximava e imediatamente as reconheceu. No seu íntimo, ela desejou ardentemente boas notícias.

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