CAPÍTULO QUATRO

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CAPÍTULO QUATRO

Eram seis e meia quando a mãe da garota voltou do trabalho. Ela apareceu na sala de estar acordando Edith de sua soneca profunda com um beijo em sua testa, dizendo que ia ver o que o Padre Joaquim queria conversar com ela. A mãe havia trocado as vestes brancas do hospital por roupas simples e apesar do horário estava frio. Estava com um cardigã preto sobre uma blusa de linho e uma calça jeans. Edith sentou-se e esfregou os olhos. A mãe a observou pensando que deveria ter deixado que ela dormisse.

— Eu só vou dar uma passada rápida, já volto — disse ela. — O que quer que ele tenha para me falar deve ser importante.

— Tudo bem, posso ir com você? — indagou a garota.

A mãe sabia em quais situações perigosas poderia colocar a filha, contudo, acenou com a cabeça assentindo mesmo assim. Edith pegou uma sapatilha preta que deixou ao lado da porta e a calçou.

— Pode, mas você fica do lado de fora enquanto converso com ele — pediu ela com seus olhos claros emitindo preocupação.

Mãe e filha estavam em uma ruazinha ao lado da capela, em frente a um casebre de madeira antiga, com o telhado curvado prestes a cair e as janelas rangentes, Edith bateu três vezes na porta sentindo a fraqueza nas tábuas. Padre Joaquim atendeu a porta, seu olhar faiscante seguiu de Edith para a mãe, como se ele quisesse expulsar a menina dali.

Se os medos da mãe fossem reais, aquele era o último lugar em que Edith devia estar. Ela poderia correr perigo ali, seu lugar era em casa, ou toda sua história mudaria. A menina ouvia apenas burburinhos dos dois. A casa era simples por dentro, apenas três cômodos: um quarto, uma cozinha-sala e um banheiro, dispunha de poucos móveis rústicos dados pela comunidade há anos. O padre e a mãe de Edith estavam no quarto, era possível ouvir o chão rangendo a cada passo que eles davam.

No quarto cabia apenas uma pequena cama de solteiro com um colchão de espuma gasta, onde o padre estava sentado, e um baú feito de madeira de pinho estava na ponta da cama, onde Joaquim guardava suas roupas. Não havia tintura nas paredes, apenas buracos de cupins e a luz fraca oriunda de uma pequena lâmpada incandescente.

— Quando vai falar com ela, Beatrice? — perguntou o padre à mãe de Edith, batendo o pé repetidamente, com certa ansiedade.

— Ela ainda não está pronta para estas revelações. São muito fortes! Ela é só uma garotinha! — retrucou Beatrice cruzando os braços acima do peito e andando em círculos, tirando os fios de cabelo que lhe caíam nos olhos.

— Sua filha deve saber pelo menos quem é — falou ele com convicção.

— Eu acho que você ainda não entendeu: ela é minha filha, eu decido o que ela deve saber e quando deve saber. — Beatrice olhou desafiadora para o velho.

Do lado de fora a menina apenas observava o céu estrelado tentando reconhecer alguma constelação, além das três grandes estrelas enfileiradas que formavam a constelação das Três Marias, ela não encontrou mais nenhuma. Não se preocupava com o assunto que se passava dentro da casa do padre, acreditava que era algum pedido do velho senhor para a paróquia, colaboração e o tipo de coisa que ele normalmente conversava com sua mãe.

— E se eu não contar? O que vai fazer? — questionou a mãe da menina com ar teimoso. Tal mãe, tal filha.

— Contarei a ela! — respondeu alto demais o padre. Beatrice estava indignada da maneira que Joaquim estava se importando com sua vida. Afinal, era sua vida, sua filha, ele não tinha nada a ver com aquilo. O padre estava sério.

Asas e Dentes - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now