Bloqueio Criativo

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A mente da artista percorre a mais profunda de suas lembranças, procurando uma inspiração ante a mesa de vidro da sala. O ambiente passava uma impressão de museu, dado os quadros de pedrinhas em estirpe mosaico, penduradas nas paredes brancas amareladas graças a luz clássica de ventilador de teto do século XIX.

No recôndito de sua mente, a mulher folheia as páginas da vida em busca de algo que pudesse transmitir ao mundo aquilo que somente ela viveu. Não! Não há mais nada lá! O pesadelo de todo artista, a desolação de todo inventor, a estagnação de um criador. Passara tudo o que tinha, e agora sua mente vive o incrível torpor do bloqueio criativo.

Um rádio portátil do tamanho de uma valise, jaz em um canto da mesa, parcialmente empoeirado. A artista estende a sua mão e clica no botão Liga. A informação no rádio era algo sobre Minas Gerais. A voz do locutor era semelhante a um comentarista de esportes que ela ouvira certa vez.

Minas Gerais, um lugar que tão logo fazia jus ao nome pelo fato da exploração das minas presentes na era pré-clássica. Os olhos cansados da morena de longos cabelos, recordam da vista do alto de uma colina. Seus olhos experimentavam o verde da vegetação como gigantescos brócolis.

As palmas da mão da morena lambem o vítreo da mesa, deixando um fino assovio do atrito de sua pele escorregando até ela se levantar. Seus pés desnudos e macios como a pele de um bebê, passam por cima do tapete aveludado. A mulher anda até o canto da sala, passando abaixo da luz trêmula do ventilador de teto, sentindo um ventinho gelado beijar os ombros e afagar os cabelos.

A artista chega a cômoda e estende a mão atrás do móvel rente a parede, e pega uma tela de gesso, nova em folha, pronta para ser violada com o torpor da criatividade. Ansiosa, ela passa a língua pelos beiços, molhando os lábios em ânsia sedenta pela exteriorização de sua arte. Passa a tela virgem para outra mão enquanto abre uma das gavetas e pega alguns potes de plásticos tampados, cheios de pedrinhas. Um a um, ela aloca os potes entre seu braço e o seio, e atravessa de volta à mesa.

— ...informações sobre o caso dos mineiros soterrados. — Dizia o radialista em voz de manchete.

A artista deita a tela sobre a mesa com cuidado depositando os potes dos dois lados, como um painel de pintura. Abre a cola e derrama na tela, depois a espalha com o pincel sobre a brancura gessal.

...começou quando um grupo de estudantesdois rapazolas e uma moçoila para ser exato, pensa a artista — passavam pelo local quando de repente acharam uma caverna. Animados, eles tiraram algumas fotos e postaram nas redes sociais, que posteriormente intrigou um especialista chamado Reynaldo Moraz, ao analisar que o local das fotos não se tinha nenhuma informação na internet nem em livro algum. Intrigado, o historiador foi até o local afim de verificar de perto esse mistério.

"Chegando lá, Reynaldo analisou e chegou à conclusão de que aquilo não era nem de longe uma gruta natural. Tratava-se de uma escavação de teto baixo. As induções do historiador se confirmaram quando ainda dentro do cavo, ao limpar o chão com a sola dos tênis, acabou achando trilhos de ferro. O historiador informou aos donos do parque, que por sua vez, chamaram as autoridades.

Como deve ser informar uma coisa dessas para a população?, pensa a artista nostálgica no radialista. Suas mãos sobrevoam os potes dispostos como favos. Seus dedos afundam num pote enquanto a outra mão mergulha em outro. Agora elas passam por cima do quadro; a mão cheia coando as pedras pelos vão dos dedos como uma peneira, enquanto a outra despeja como cascata de caldeira.

...Reynaldo não esteve tão disposto a abrir mão do achado e mesmo depois de informado as autoridades, ele voltou no outro dia e segundo os zeladores, o historiador já estava no portão antes mesmo de abrir o parque as 7 horas da manhã. Depois de aberto, Reynaldo entrou na caverna, ficando lá desde então. Ao meio dia, os zeladores imaginaram que ele estivesse com fome e não sabiam se o mesmo tinha levado comida ou não. Então, decidiram levar almoço para ele.

Quadro de PedraWhere stories live. Discover now