O Conto

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"Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida" Aintoine de Saint-Exupéry


Gosto de pensar em meus olhos como grandes pedras de safira. Me disseram uma vez que eles são radiantes. Que podem reluzir brevemente toda luz do universo quando se mira bem no fundo deles. Mãe Anja costuma dizer que, se olhos fossem capazes de rir, os meus estariam rindo aquele riso de quem conhece todos os segredos do mundo.

Não vejo como eu poderia conhecer todos os segredos do mundo. Tudo o que conheço sobre minha própria história é pouco. Sei que fui deixado aqui ainda bebê, embrulhado em um xale vermelho e posto sobre uma cesta no vão da porta, para viver por todos os anos que viriam com Mãe Anja e os outros orfãozinhos que também são deixados por aqui à toda sorte. Às vezes penso em mim como um príncipe disfarçado. Acredito com toda força que venho de um reino esquecido e distante, perdido em algum lugar parecido com um sonho que tive há muito tempo e do qual fui acordado rápido demais.

O príncipe cego dos olhos de safira. Parece trágico, mágico e enigmático. Exatamente como um nome encantado deveria soar. É quase como se, no fim, eu fosse apenas um personagem de história. Como se, nesse mesmo instante, alguém devesse estar com uma pena molhada em mãos, escrevendo o que deve ser o conto de minha vida.

É engraçado imaginar que, por trás de qualquer gesto ou pensamento, estão as palavras de um escritor sendo tecidas, da mesma forma e facilidade com que Mãe Anja tece um vestido novo, e eu gosto de pensar que o meu escritor deve estar o tempo todo brincando de rabiscar algum suspense, quando, na verdade, ele já sabe exatamente como a minha história chegará ao fim.

Já desejei perguntar ao meu escritor que intenção teve ao me dar essas pedras preciosas no lugar de olhos. Você sabe qual é o problema com safiras. Elas não me mostram mais que um par de olhos fechados mostraria. É por isso que imagino. É por isso que não poderia viver nem por um mísero segundo sem imaginar. Não veria mais que o nada se não tivesse comigo os olhos da mente.

Costumo pensar em minhas pedras preciosas como uma noite completamente escura, em que as imagens de minha mente são como uma fogueira viva e crepitante que acendo em meio ao breu.

Há algo de solitário em ser o príncipe dos olhos de safira. É que poucos realmente conhecem a dor e a beleza de precisar imaginar para enxergar. Por muito tempo, eu acreditei que fosse o único como eu em todo mundo. Enxergava a mim mesmo como uma rosa de jardim que, por algum motivo, desabrochara sozinha, enquanto via todas as outras crescerem em roseiras.

Sempre me perguntei se haveria outra rosa como eu em algum do lugar do jardim. Talvez eu fosse uma espécie de patinho feio que, de repente, em algum momento, se veria diante do seu lago de cisnes.

Quando ouvi o som da voz de Nanci pela primeira vez, não me passou pela cabeça que ela poderia ser uma daquelas rosas de jardim por quem eu tanto chamara em silêncio. Nanci foi a única em todo o universo a realmente olhar para dentro de mim e entender o que via. Sabe, ainda é estranho estar com ela... É como se, de repente, eu conhecesse todos os segredos do mundo. Ou como se conhecer todos os segredos do mundo já não fosse nem um pouco importante.

Gosto de vir até aqui, à sacada mais alta da casa de Mãe Anja, para sentir que estou no ponto mais alto do mundo enquanto o vento afaga meus cabelos e toca meu rosto como uma mão carinhosa. Eu estava aqui, com a mente voando para longe, quando ouvi Nanci vir até mim.

- Você parece pensativo, aí no alto com essa expressão distante – Era uma voz delicada, firme e peculiar - Também preciso de um lugar para ficar pensativa, para estar comigo mesma enquanto esqueço o resto do mundo por alguns instantes. – Percebi que ela se inclinou e se apoiou ao meu lado.

Olhinhos Radiantes (Conto)Where stories live. Discover now