Capítulo 23 - Sempre bom voltar, mas não se for à casa do diabo

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Não sabia se estava ansioso ou com medo.

Meus sentimentos estavam num misto inconsciente. Eu apenas sentia calafrios, enquanto me olhava no espelho, arrumando o meu cabelo. Tudo estava diferente para mim agora. Eu via a vida de outra forma e já não conseguia mais ser o mesmo Charlie de antes de alguma forma. Acho que sair do armário foi como trazer à tona quem eu era de verdade, quem eu escondia o tempo todo das pessoas.

O clima lá em casa também havia mudado, no entanto para melhor. Sentia que meus pais realmente me amavam e provavam isso agora. Os julgamentos terminaram. Eles finalmente entenderam que não precisavam desejar pela minha morte só porque eu era gás e ia de encontro à tudo que eles criam, no fim apenas o amor de pai e mãe tem que falar mais alto, e eu tive quase que morrer para eles finalmente enxergarem isso.

Me sentia completo com meus pais, porém não me sentia completo com uma coisa. Roy. Eu não conseguia deixar de gostar dele e toda vez que eu pensava nele, meu coração se agitava e às vezes me tirava o fôlego. Era ele o dono dos melhores momentos da minha vida. Quando eu estava com ele, meu mundo se pintava, as cores pareciam ganhar o local e de repente nada mais importava, apenas eu e ele. Tudo isso passava quando eu olhava para o meu celular e lembrava da sua atitude covarde. No momento que eu mais precisei dele ele não teve coragem de enviar uma mensagem sequer. A notícia de que eu havia sido hospitalizado, deveria ter se alastrado, portanto ele já deveria saber e mesmo assim não me enviara nada até aquele momento.

Acabei focando em preocupações mais fundamentais, como aquele dia na escola. Tudo voltaria à sua normalidade. Eu sabia que ainda tinha que cumprir uma rotina de vida e lá estava eu prestes a retomar isso de onde parei. Ninguém ia suavizar só porque eu havia voltado depois de uma surra intensa que me fez ficar no hospital acamado e ainda sentia certas dores, vida seguiria da mesma forma, eu era só mais um grão de areia na multidão.

Quando finalmente já estava pronto com alguma dificuldade ou outra de me vestir com meu corpo dolorido, desci para tomar café. Pedi a mamãe que não me ajudasse a me vestir porque eu já estava bem grandinho para isso e não havia necessidade, preferia me virar sozinho nessa parte. Meus braços já não doíam tanto quando eu mexia como no primeiro dia, porém ainda doíam quando eu os levantava alto, acontece. Comi minha torrada com geléia, que por sinal é muito bom, e bebi suco de laranja que a mamãe tinha feito naquela mesma hora, já que eu não bebia café como os dois.

Até mesmo de manhã papai e mamãe conversavam comigo agora. Perguntavam se eu havia dormido bem, estavam bem mais presentes na minha vida e eu estava me sentindo filho deles novamente, coisa que eu só sentia quando fazia lago de errado, então eles viam brigar, julgar ou proibir. Agora eles queriam participar da minha vida, serem meus pais de verdade e não apenas as pessoas que me colocaram no mundo e me sustentam. Era bom ter aquilo tudo. Via que eles evoluíram bastante e agora sentia o amor deles que era incondicional.

Papai mesmo não sendo muito de falar, contou algumas histórias engraçadas no caminho até chegar à escola. Acho que não conversávamos muito porque ele não queria e também não se interessava em ter assuntos comigo. Quando falava tinha que ser algo que ele queria e não que interessasse realmente aos dois. Agora via o salto que ele tomara. Eles pareciam demonstrar mais que se importavam e eu estava começando a ganhar certa confiança neles para contar algo da minha vida que antes eu não tinha, nem mesmo assuntos supérfluos.

Naquele dia antes de descer do carro, disse à papai que ama ele é vi seus olhos encherem de água. Ele me respondeu e me deu um abraço desajeitado por haver um espaço entre as nossas cadeiras onde continha a macha e o freio de mão. Mesmo assim, o abraço não poderia ser melhor. Não era a forma como o abraço era dado, mas qual a intenção e o sentimento que ele despertava. Saí do carro correndo e entrei na escola.

O Diabo na minha JanelaOnde histórias criam vida. Descubra agora