36. O confronto sobre a colina (Parte 1)

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NA MANHÃ SEGUINTE.

O plano de Elcana era perfeito.

Mesmo com todas as complicações possíveis, e o perigo que ele correria ao tentar passar pelas Chaves-Magnas sem conexão preestabelecidas, tínhamos exatamente o necessário para executá-lo: ele e Vangard. Se desse certo, e ele conseguisse a conexão entre os livros, nosso retorno ao Castelo-Forte também se daria muito mais rápido e o Muro estaria salvo a tempo. Portanto, já estávamos com tudo prontamente arquitetado e pela manhã colocaríamos em prática. Finalmente Elcana chegaria à cidade e tudo ficaria bem.

Claro que ainda teríamos Malcon como um problema pendente, afinal, após a conquista de Dulin, nós não fazíamos ideia de quais seriam seus próximos passos, mas a situação derradeira do Muro da Realidade era a prioridade no momento, caso contrário, toda Penina ruiria e nós iríamos juntos. Pensando nisso, Elcana achava provável que Malcon fosse juntar forças ocultas na montanha de Dulin para investir contra os clãs, uma vez que passar por estes para chegar à Cidade-Forte seria uma tarefa que exigiria muita força bélica e estratégia, e ele não seria tolo de tentar isso sem antes preparar bem um exército. O Mago também temia pelas magias que Malcon poderia acessar dentro das Câmaras dos Mestres, uma vez que lá havia uma grande concentração disto e o ambiente era perfeitamente propício.

– Os Mestres de Dulin não eram treinados para nenhuma guerra, já os clãs são – o Mago nos explicou a certa altura de nossa conversa, sob a luz de uma tocha, comendo algo que os Golens mataram lá fora e trouxeram para assarmos. – Obviamente alguns Mestres eram bons lutadores, e a magia deveria ter sido um ponto forte, mas sem estratégia não há resistência, apenas conquista. Depois de tudo que vocês duas me contaram sobre o que o Espúrio fez ao Castelo-Forte, tenho certeza que ele adquiriu muito mais conhecimento sobre magia negra do que seria seguro, e vai conseguir mais agora que está em Dulin. Um confronto face a face com ele já não é mais sensato, pelo menos não até eu me preparar o suficiente.

E ele disse isso após minha insistência de que o Espúrio com certeza não ficaria quieto assistindo nós desfazermos seu plano quanto ao Muro da Realidade. Se ele sabia que eu estava atrás de Elcana para isso, e também sabia que o Mago estava nas redondezas, mais cedo ou mais tarde ele viria atrás e, portanto, estávamos correndo um perigo muito grande ali naquela caverna.

Quando terminamos nossa conversa, já era bem tarde. Eu saí para o lado de fora para pegar um ar fresco antes de dormir, pois a caverna era abafada, e ao cruzar o riacho de águas cristalinas à entrada da caverna, olhei o céu repleto de estrelas e isso me fez pensar o quanto tudo aquilo era frágil. Havia beleza, harmonia e algo que beirava a perfeição em tudo que compunha Penina, e pensar em tudo isso concentrado apenas em um pilar, o Muro, me deixava inconformada. A magia era algo poderoso, tanto para o bem quanto para o mal, e vê-la nos últimos dias em ação me fez ter ainda mais certeza disso, porém, quando tudo em volta se torna dependente dela, e se sustenta nela, pode ser um risco, principalmente quando pessoas más podem dominá-la. Tudo que é bom passa a correr riscos também. Tudo.

Eu acoquei na margem do riacho para beber um pouco d'água, mas cuspi assim que senti o gosto ruim e amargo dela. Fiz uma careta e no mesmo instante uma movimentação ali perto me fez tomar um susto. Ao olhar para a frente constatei que não era nada mais que um Crinaus – um dos bichos que Mabel me disse não serem unicórnios, e de fato, de longe, eles pareciam mais com estes do que de perto, sem dúvida. Daquela distância pude ter certeza que eles eram mesmo bem diferentes. Este era negro e de crinas verdes e longas, lembrando-me muito um creodonto dos que estudei na escola. Ele me olhou meio de lado, fazendo um som gemido próximo de um relinchado, como se também tivesse provado do gosto ruim da água e esperasse de mim uma solução. Seu chifre refletia a luz da lua com a polidez de um cristal, mas quando me ergui pensando em me aproximar, ele recuou e saiu correndo entre as árvores; seus pulos alcançavam uma longa distância.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Where stories live. Discover now