Parte I

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O barulho do tiro surgiu ecoado aos quatro cantos da cidade, já não mais pacata. De espreita, os pássaros com a escuridão estampada em suas penas levantaram voo dos galhos das árvores na extremidade urbana, assustados, ou mesmo por comemorar friamente mais uma morte.

Era um método peculiar do assassino: fazer com que todos escutassem o seu show, tão esperto se mostrava para não ser pego, e conseguira até então. Mais um homicídio para a conta. Um padrão já foi percebido, e a forma pela qual os corpos eram encontrados, não havia dúvidas: se tratava de um serial killer com uma mente desumana. Era o que diziam os profissionais encarregados de analisar o perfil psicológico do indivíduo através dos mínimos detalhes.

Sabia-se pouco desse sujeito, nada que pudesse servir para capturá-lo, e esse era o principal problema, a falta de respostas deixava as autoridades com os nervos à flor da pele. Nem uma única dica para que pudessem se antecipar e impedir um próximo ataque. Nada. E, diante disso, a pressão recebida pelo governo municipal e a imprensa, cobrando uma solução imediata. No entanto, a inteligência era uma arma valiosa para o vilão, e ele compreendia todos os seus aspectos. Um gênio do crime! Ou um louco?

Mas o que causava um pouco mais de preocupação a todos era um fator de manifestação cultural inevitável ao qual a cidade, e todo o país, se colocava em exposição: a época das demonstrações de amor e carinho, com devidas declarações e presentes para os companheiros, decorações pertinentes à data, e coisas mais. O Dia dos Namorados influenciava, assim como outros feriados, na economia local. Por este motivo, não podia-se cancelar as atrações, fechar lojas ou proibir o tráfego humano. Não podia-se desistir de tudo.

Entretanto, as pessoas estavam com medo. Há mais de um mês, puderam presenciar o início do terror gerado pelas ações inexplicáveis de alguém que vive, aparentemente, nas sombras, que é invisível aos olhos alheios. Foram seis mortes até o presente momento, incluindo a mais recente. E embora não houvesse um toque de recolher obrigatório – apenas recomendações de segurança –, muita gente ainda preferia ficar em suas casas à noite, para evitar ser pego, num infeliz acaso do destino.

Porém, o adolescente Miles River decidiu que nada iria fazê-lo amedrontar-se nesta linda noite de sexta-feira. Até porque, era o seu primeiro encontro com outra pessoa do mesmo sexo. Estava feliz por finalmente ter se aceitado pelo que ele sempre foi. O rapaz que conheceu em um aplicativo de relacionamentos o fez estar nas nuvens por vários dias, e finalmente iriam se encontrar.

O relógio de seu celular marcava 18h20min. Ainda era cedo. Entusiasmado, Miles deu um beijo na bochecha de sua mãe, que não compreendeu tamanha euforia e apenas soltou a frase "tenha cuidado", e saiu. Para todos os efeitos, ele iria se encontrar com os seus amigos.

As ruas estavam bastante iluminadas, pouco dava para apreciar a beleza natural daquele momento. A Lua, que começou a se mostrar timidamente, logo mais seria um dos principais espetáculos para os casais que quisessem aproveitá-la com mais intensidade, em lugares mais distantes das casas.

Sentado em um dos bancos do parque natural, como se fosse uma grande praça pública, Miles observava o horário, como fez frequentemente durante os vinte minutos que se passaram, algo que aumentou a sua tensão. "Será que ele não vem mais?", pensou várias vezes. Um tanto impaciente, se levantou, a ponto de ir embora, mas tomou-se num alívio instantâneo quando visualizou o rosto que conhecia apenas por fotos.

— Oi. — Disse ao esboçar um sorriso simpático.

— Oi. — Respondeu Miles, também movimentando os seus músculos faciais.

Era um momento estranho para ambos. Estavam envergonhados, nervosos, e tudo que acontece normalmente numa circunstância dessas. A pouca intimidade que tinham fora construída através de uma tela, cara a cara, tudo acontece de forma diferente. Tudo é mais intenso. Ainda desconcertados, deram-se as mãos num aperto e se abraçaram brevemente. Um cumprimento gentil, pareciam fofos até.

— Então, Adam, ficaremos por aqui mesmo ou vamos para algum outro lugar? Eu não pensei em nada mais, você disse que resolveria essa parte. — O referido colocou suas mãos dentro dos bolsos do casaco, deu uma breve analisada ao redor, vendo o número razoável de pessoas, e se sentou.

O cara aparentava ser um pouco mais velho, e talvez isso seja o que tenha agradado ao adolescente... alguém com mais maturidade, com uma mente fervilhada por ideias e pensamentos interessantes, como notou o jovem em suas conversas.

— Eu tenho um lugar especial para irmos, mas só mais tarde. Por enquanto, ficaremos aqui. Acho que você está com fome também. — Encarou Miles profundamente por uma fração de segundos.

— Está certo. A lanchonete é logo ali, a garantia de que não iremos morrer de fome. — Tentou dar um clima mais humorado, mas se tocou do que acabara de falar, e também da arqueada de sobrancelha de Adam. — Que comentário insensível, não foi?! Tem gente realmente morrendo.

— Não se preocupe. Eu não acho que você ofendeu alguém com isso. Pessoas morrem o tempo todo. — Miles sentiu uma leve frieza em suas palavras, franziu o cenho, mas acatou tudo com um sorriso amarelado. — Ei! Não pense que eu sou o insensível. — Sorriu. — Só quero que não pensemos sobre o que está acontecendo na cidade. Caso contrário, vai estragar a nossa noite. — Colocou uma de suas mãos em cima da dele, causando um pequeno clima. Mas ainda não era a hora de avançar o sinal.

O Ritual dos CorvosWhere stories live. Discover now