Parte II

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Os rapazes não demoraram para criarem um certo vínculo de amizade, o primeiro passo. A conversa começou a fluir naturalmente, como se não houvesse nenhuma barreira impedindo-os, e, aparentemente, não havia. Ficou evidente o quanto tinham coisas em comum, gostos, hábitos, interesses, opiniões e até mesmo alguns detalhes das suas vidas se assemelhavam, como a demora para aceitarem a si mesmos, ocasionando uma aproximação melhor ainda, mais consistente.

Miles, logo que surgiu a oportunidade, quis se aprofundar na vida pessoal do seu pretendente, conhecê-lo melhor, suas origens para ser mais exato, um assunto que Adam se propôs a evitar em alguns momentos na conversa. Porém, foi vencido pela insistência – não forçada – do jovem de cabelos platinados.

— Eu venho de uma família muito conservadora e religiosa. — Começou a relatar. — Então, desde pequeno, sempre tive o ensinamento de que todas as coisas que não seguem os fundamentos da Bíblia são desvios de conduta graves, e quem as pratica merece receber punições cabíveis. Essa educação rígida atribuída pelos meus pais foi o que me guiou moralmente por todos os anos até o final da adolescência. Uma construção de pensamentos influenciada por uma camada espessa de ignorância. — Adam provou um pouco mais do seu milkshake.

— E como foi quando você entendeu que seus pais abominavam algo que fazia parte da sua vida? Como foi essa mudança? — Estava curioso. Miles lembrava-se dos seus próprios conflitos ao se descobrir gay, os mesmos embates com a religião sempre presente em seu lar. Mas, ao contrário do que ouvira, tinha consciência de que a sua situação era diferente quanto aos seus progenitores.

— Bem, eu queria poder dizer que foi algo tranquilo para mim, mas a verdade é que fiquei em negação por muito tempo. No momento em que compreendi os meus desejos, as minhas vontades, eu pensei que estava quebrado, me senti a pior pessoa do mundo, mas, então, eu me entreguei de corpo e alma, aderi à minha natureza, e tudo ficou melhor. Aprendi a superar os obstáculos, na intenção de atingir o limite máximo do prazer que me dilacera por completo, da ânsia em querer ser cada vez mais essa pessoa que eu sou hoje. Sem medos, sem fugir dos meus instintos, apenas sendo o que fui destinado a ser desde o meu nascimento. — Quando finalizou o seu discurso, haviam dois olhos totalmente frizados em sua direção.

— Uau. Isso foi um tanto... profundo. Muito profundo, na verdade. Que bom que você se tornou alguém diferente daquilo ao qual foi condicionado por anos.

— É, eu digo o mesmo. — Foi a segunda vez em que Miles sentiu-se fitado de uma maneira estranha, ficando sem graça. Queria ele saber o que estava se passando na mente daquela pessoa, a sua impressão a respeito dele, se gostou de conhecê-lo.

O tempo seguiu como num estalar de dedos, mas tudo no seu perfeito encaixe, nada fora do normal para o contentamento mútuo. Alguns casais vivenciavam a magia de uma noite espetacular, uns se beijando embaixo de árvores, onde a luz mal chegava, outros apenas sentados na grama bem aparada. Ao fundo, uma estrutura grande tinha sido montada: telão e caixas de som. Parecia que algo estava prestes a ser reproduzido, e logo se confirmou. Uma noite de filmes românticos para agradar os amantes. Não havia ocasião mais ideal para um primeiro encontro.

Em meio a esse cenário favorável para um bom desfecho, Miles se viu cada vez mais entregue ao que quer que estivesse sentindo. Era certo que seus sentimentos ainda se mostravam confusos, mas a sua disposição para querer compreendê-los o deixava mais confiante consigo mesmo.

Observando-o dessa forma, nem sequer fica visível que ele já esteve comprometido duas vezes com garotas, uma fase conturbada, em que as emoções eram mais afloradas, o estresse o dominava, a frustração em não conseguir ter boas relações sexuais. É um passado pouco distante que o rapaz deseja apagar completamente de suas vivências.

O Ritual dos CorvosWhere stories live. Discover now