9. O pequeno Jack

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Acordo com uma sensação estranha, um pressentimento melancólico. É domingo, o que supostamente deveria me deixar feliz por ser o último dia de toda a farsa. O significado do cumprimento de um acordo, a minha liberdade sem que minha identidade seja revelada. Não me encontro feliz assim, no entanto. Em uma última tentativa, forço minha mente a aceitar o inevitável. Mas não entendo. Não entendo como de repente passei da lógica e objetividade para a ponderação sobre meus sentimentos profundos.

Para uma garota como eu, o adeus deveria ser fácil. Uma despedida rápida e indolor, sabendo que um possível reencontro jamais acontecerá. Nem ao menos entendo por que estou tão preocupada com isso. Ele está prestes a se formar, e eu vou continuar seguindo o curso da minha vida. Segunda-feira é o dia em que tudo voltará ao normal. Voltarei a me esconder sob o disfarce de Rainha do Gelo e ele continuará agindo como o devasso e descarado Aiden Blackwell que jamais teve seu coração partido.

É incrível como as coisas mudaram tanto entre nós. Você nunca realmente conhece uma pessoa até ouvir o que ela tem a dizer, até conviver com ela. Os pais o magoaram e o irmão pequeno está sofrendo algum tipo de crise de carência pela falta que Aiden faz. Comparo com minha relação de separação com Jo, embora saiba que são situações com suas peculiaridades.

Atrevo-me a imaginar que se Philip não tivesse perdido as estribeiras a ponto de querer controlar cada passo de seu filho, bem como de proibi-lo de ver a família, haveria menos sofrimento e menos dor. Aiden não teria sentido a necessidade de ir terminar a graduação em Oregon. Mas não é assim que as coisas funcionam. E pensar nesta possibilidade, de alguma forma, não me deixa contente porque senão eu jamais teria chegado a conhecê-lo.

Estamos partindo esta tarde. A casa está vazia. A casa sempre é vazia, na verdade. Ela é agradável e luxuosamente confortável, mas carrega um ar frio em seu interior capaz de congelar os corações que nela habitam. Fiz as malas essa manhã. Não tinha muito o que levar, as roupas eram apenas para um fim de semana, de modo que terminei a arrumação em pouco tempo.

Aiden dirigiu o carro e me levou em alguns pontos turísticos. Depois fomos a um restaurante e em seguida a uma cafeteria, onde provei pela primeira vez barras de Nanaimo. É uma sobremesa canadense que recebeu esse nome em função da cidade em que foi criada. A combinação que comi tinha uma camada de wafer, creme de baunilha e cobertura de chocolate derretido. É realmente delicioso. Pesquisei a receita no Google e acho que consigo fazer algumas na cozinha do clube para levar para Jo.

Ouço um gemido estrangulado enquanto caminho pelas proximidades do jardim. Não cheguei a ficar com trauma de andar por ali, mas ainda sinto arrepios quando vejo a plantação de roseiras. Acordei essa manhã com os dedos de Aiden tocando suavemente meus arranhões e hematomas. Ele ainda não me perguntou como os consegui, ainda que a forma como Jack subitamente começou a se dirigir a mim com extrema polidez dissesse alguma coisa sobre o que ele sabe sobre os feitos do irmão.

Algo ou alguém reverbera em um grunhido angustiante de novo. O tom sobe em um crescente, como um uivo, e depois se perde no vento com uma resfolegada. Sinto medo por não saber o que isso pode ser, se é um animal abatido ou uma armadilha nova para me emboscarem. Estou completamente sozinha andando por aquele lado da enorme mansão dos Blackwell. Ainda nem é noite, mas estou começando a achar que aquela casa é realmente mal-assombrada.

Enfio as mãos nos bolsos do meu casaco e aperto os passos para fazer o caminho de volta. Chego quase a correr quando ouço o barulho mais uma vez. Então, ele é seguido por um choramingo, um choro baixinho. Paro e me viro, apurando os ouvidos para melhor escutar. Soluços, fungadas, uma respiração entrecortada. Parece o choro de uma criança, e isso me preocupa. Seria Jack? Ele foi ferido? Aquele jardim é um perigo para as crianças desavisadas.

Escândalo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora